| Foto: Fábio Abreu

Dois fatores ajudam a explicar boa parte do clima de polarização em que o país mergulhou nos últimos anos: a enorme roubalheira promovida pelo PT e exposta pela Lava Jato; e o avanço das redes sociais, dando voz a grupos que ficavam de fora do debate político na grande imprensa. O lavajatismo alimentou bastante a campanha vitoriosa de Bolsonaro, assim como o antipetismo, tendo como base a militância aguerrida das redes sociais. Tudo isso num contexto de depressão econômica causada pelo próprio PT.

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A gangue de Lula sempre apostou tudo na retórica tribal, no “nós contra eles”, e quando ficou claro que eles, os petistas, eram os verdadeiros vilões da história, restou como herói o “mito”, aquele que era o oposto de Lula em vários aspectos. Bolsonaro também bebe muito no discurso tribal, e investe na divisão para conquistar. Sua narrativa é igualmente binária, maniqueísta e simplista, o que seduz aqueles revoltados e em busca não só de bodes expiatórios – as “elites” do PT viraram o “establishment” bolsonarista – como também de soluções mágicas e imediatas.

Muitos querem atalhos para a alternativa mais viável, segura e prudente de construir instituições. Nas redes sociais, os extremistas se encontram e se sentem mais encorajados, pois andam em bando e intimidam qualquer crítico mais moderado. A maioria se cala diante desse barulho das minorias organizadas, e o “debate” se torna tóxico, uma espécie de disputa de torcidas organizadas sem muito espaço para independência ou imparcialidade.

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Dória aposta no desgaste gradual de Bolsonaro, que vem sendo alvo de inúmeras críticas de liberais e conservadores

Usando como metáfora o mundo musical, podemos dizer que essa fase atual é melhor representada pelo heavy metal. O problema é que esse ambiente cansa, ao menos para aquela maioria silenciosa e moderada. O protagonismo dos mais fanáticos pode dar a entender que eles falam em nome de todos, mas não é verdade. Entre esses extremos há um mundo de gente em busca de mais foco em resultados práticos e também mais tranquilidade e decência. Voltando à analogia musical, essa turma quer bossa nova ou jazz depois de tanto agito e barulho estridente nos ouvidos.

É de olho nesse nicho que o centro político se movimenta. Vários perceberam que é fundamental condenar com mais veemência o petismo e sua herança maldita, pois a pusilanimidade tucana foi fatal nas eleições. Mas, ao mesmo tempo, entendem que é importante se afastar do bolsonarismo, ainda que tentando preservar os acertos do governo. Em outras palavras, querem manter o melhor do governo, cortando os excessos do próprio Bolsonaro e sua militância.

É o caso de João Doria. O governador já está em campanha para 2022, por mais que negue. E suas recentes atitudes e falas mostram claramente essa estratégia de bater na “velha esquerda” (daí o slogan do Novo PSDB), enquanto se distancia do lado mais exagerado de Bolsonaro. Doria criticou a escolha do filho do presidente para a embaixada nos Estados Unidos, atacou a postura mais ideológica na questão do meio ambiente, defendeu pragmatismo ao lidar com a China e com a Argentina, entre outras alfinetadas. Por outro lado, apoia as reformas estruturais, as privatizações, a agenda liberal na economia.

Doria age para confinar Bolsonaro no gueto extremista. “Discurso enérgico e antagonismo com o PT colocam o governador na disputa por um campo político hoje ocupado pelo presidente, e a aproximação com DEM lhe daria amplitude da direita para o centro”, explica o cientista político Carlos Melo. O tucano aposta no desgaste gradual de Bolsonaro, que vem sendo alvo de inúmeras críticas de liberais e conservadores. A ala mais ideológica e radical de seu governo afasta muita gente que gostaria de preservar o essencial da guinada à direita, mas sem os aspectos mais toscos e o nacional-populismo com viés autoritário.

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As cantadas que Doria já deu em Sergio Moro vão na mesma linha. Moro estaria insatisfeito com muitas coisas do governo: seu projeto anticrime não avançou como prioridade, sua influência foi reduzida após a transferência do Coaf para o Banco Central, e a suspeita aproximação entre o presidente Bolsonaro e Dias Toffoli, presidente do STF, acende uma luz de alerta. O lavajatismo, crucial para a vitória de Bolsonaro, é maior do que o próprio bolsonarismo e, se o presidente não se der conta disso e tentar blindar sua família de investigações, o preço político será muito alto.

Aqui, porém, esses nomes de centro demonstram fragilidade. Seu calcanhar de Aquiles é justamente o ranço da “velha política”. Se por um lado Rodrigo Maia se cacifou perante o mercado como fiador da reforma previdenciária e outras pautas liberais na economia, quando o assunto é corrupção ele não se sai nada bem. Não só carrega a pecha de ser o “Botafogo” na planilha de propinas da Odebrecht, como agiu de forma absurda na votação do projeto contra abuso de autoridade, que na prática foi ele mesmo um abuso de autoridade para impedir a ação da Lava Jato.

Se a percepção for a de que Bolsonaro “aderiu ao sistema”, porém, e não paira mais acima dos demais como “o incorruptível”, o atual presidente perde essa cartada diferencial na disputa para a reeleição, e aí o julgamento se dará em áreas distintas. Nesse caso, o tal centro com viés liberal poderá ter vantagens, principalmente se houver mesmo o cansaço com essa polarização tribal. Imaginemos, por exemplo, um Doria com Maia na chapa convidando Paulo Guedes e Sergio Moro para permanecerem num eventual governo seu: seria um grupo competitivo, não resta dúvidas.

Doria tem mais estamina que os demais tucanos e não tem medo de confrontar o PT, o que o aproxima de Bolsonaro. Mas ele não conta apenas com o antipetismo. Vem do mundo empresarial, adota tom mais pragmático e moderado, o que na eleição plebiscitária de 2018 pode ter sido uma fraqueza, mas que pode perfeitamente se tornar uma vantagem em 2022. Afinal, a raiva contra o PT falou mais alto que tudo ali, na hora da vingança, mas o que o povo quer mesmo é melhorar de vida e reduzir desemprego. Com a lentidão na retomada do crescimento econômico, o presidente Bolsonaro poderá perder popularidade.

Em política o futuro é quase sempre imprevisível e os ventos mudam de direção com incrível velocidade. O fato é que há cada vez mais gente cansada dos excessos de Bolsonaro, desejando manter a agenda econômica reformista, mas com maior pragmatismo e moderação. É de olho nessa demanda reprimida que Doria se mexe, assim como outros. Se a estratégia vai funcionar, só o tempo dirá.

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Rodrigo Constantino, economista e jornalista, é presidente do Conselho do Instituto Liberal.