Um recente tuíte de um dos filhos do presidente Jair Bolsonaro, afirmando que vias democráticas representam um empecilho para as mudanças urgentes almejadas pela sociedade, pode ter causado um ruído bastante nocivo ou, no mínimo, revelado um aspecto preocupante do atual governo. Precisamos olhar com cuidado para a democracia brasileira?
Uma informação bastante inquietante chega de uma fonte que estuda a democracia do nosso país há mais de 20 anos. Steven Levitsky, cientista político e professor da tradicional Universidade de Harvard, alerta: depois do desastroso andamento dos governos Dilma Rousseff e Michael Temer, se o atual governo do presidente Bolsonaro falhar, uma forte onda de descrença e desesperança na democracia pode deixar o país extremamente vulnerável e colocar nosso regime político em um risco sem precedentes. Uma má notícia para um país com uma recente democracia.
Há apenas 31 anos, o Brasil engajou-se no processo democrático com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Um marco para nossa história, mas também um desafio para uma democracia tão jovem se comparada à americana, cuja Constituição é de 1787, a mais antiga do planeta. Lidar com os direitos e deveres estampados nas leis da nossa Carta Maior é ainda um grande desafio para nós, cidadãos. É difícil para muitos entenderem que não estar em um regime militar não significa estarmos com a democracia garantida. Não! Ela é uma construção ou uma desconstrução diária. Podemos ter mais ou menos democracia.
Governar sem uma coalizão forte é e será a linha tênue neste novo governo
Levitsky aponta para um entendimento desastroso que temos desse cenário. "Esperam da democracia a solução de todos os problemas, mas há muitos dilemas que a democracia não consegue resolver, pelo menos no curto prazo". Certo é que, quando governos democráticos fracassam constantemente, as pessoas acabam por desistir dela. Colocam-se mais dispostas a ideias autoritárias, aceitam insultos e ataques à credibilidade da imprensa e também a medidas radicais em outras instituições, como no Judiciário e no Executivo. Na América Latina, as melhores lições são os casos da Venezuela, onde os governos dos anos 80 e 90 foram um desastre e ajudaram a dar origem a Hugo Chávez; e do Peru, nos anos 80, onde dois governos sucessivos foram desastrosos e alçaram ao poder Alberto Fujimori.
O cientista político compara a situação atual do Brasil à dos Estados Unidos. Em 20 anos de estudo e pesquisa acadêmica, Steven diz nunca ter ficado tão preocupado com a democracia americana como agora. A queda do entusiasmo na democracia é um sintoma de vários países, diz ele. Nos Estados Unidos, Trump não passa um dia sem dizer publicamente, via Twitter, para seus seguidores, que a imprensa está conspirando para derrubar sua presidência, basicamente igualando a imprensa a um comportamento traidor. A consequência disso, de acordo com as pesquisas de opinião, é que muitos norte-americanos, a maioria republicanos, começaram a ver a imprensa como inimiga. Qualquer semelhança não é mera coincidência.
Um desafio que o Brasil terá de transpassar para não romper com a democracia é desconstruir a polarização política criada, principalmente, pelas redes sociais, pelas fake news, pelo discurso de ódio. De acordo com os estudos de outro cientista político da Universidade de Yale, Milan Svolik, há fortes evidências de que níveis extremos de polarização são altamente nocivos para o regime democrático. Uma sociedade exageradamente polarizada está mais disposta a aceitar comportamentos autoritários. Isso está acontecendo nos Estados Unidos e ocorreu também na Venezuela, de acordo com Steven Levitsky.
Governar o Brasil é extremamente difícil, aponta o cientista político. Exige negociação, compromisso e concessões, especialmente com o vasto número de partidos políticos e interesses de cada um deles. A construção de coalizões é um desafio muito complicado no país. A história brasileira demonstrou que até aqui, em muitas ocasiões, isso aconteceu com práticas ilegais, com compartilhamento de recursos, com acesso à corrupção e roubo do Estado. Levitsky lança um caminho necessário e há muito esperado pelos brasileiros: a construção de coalizões e o encaminhamento do trabalho do Congresso brasileiro sem corrupção, com compartilhamento de poder, mas não da riqueza do Estado. Este é um passo para conseguir a aprovação de projetos tão importantes para a economia e o desenvolvimento do país. Governar sem uma coalizão forte é e será a linha tênue neste novo governo. Uma linha tênue entre a governabilidade e o desastre. Por isso, o cidadão precisa estar permanentemente vigilante para proteger sua democracia e não permitir que a falta de esperança dê espaço a cenários sombrios do passado.
Allan Menengoti, jornalista e advogado, é especialista em Direito Constitucional com extensão em Justice por Harvard, MBA em Gestão pela FGV e fundador do I.AM Democracia, que promove a pesquisa e a formação democrática por meio da informação.
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