A democracia brasileira é um tecido de qualidade duvidosa, sendo tensionado por todos os lados, resultando em rasgos que se abrem por toda a sua extensão. O que está em questão hoje é o que o Brasil é e sempre foi: um país pobre, com uma incipiente e frágil institucionalidade, com partidos políticos que nada mais são que a extensão de interesses privados; grandes empresas, sócias inconfessas do Estado, e com a própria ideia de nação como algo distante e sem sentido.
No momento mesmo em que escolas, universidades e Assembleias Legislativas são invadidas; ruas, estradas e avenidas são interrompidas; policiais abandonam sua função e se juntam a manifestantes; operações da PF e do Ministério Público se avolumam por todos os cantos do país. Quando os líderes maiores do poder nacional articulam na calada da noite; quando o próprio presidente da República carrega a suspeição de ser parte de todo o esquema de corrupção; quando a velha imprensa faz política nas manchetes dos jornais e a crise econômica assombra o indivíduo comum, o que se desenha com clareza é o poder e suas instituições, perdendo a legitimidade que os mantém.
A democracia da esquerda liberal produziu um modus operandi político assentado na corrupção
O que todos se perguntam é: como pode o presidente do Senado Federal ter uma dezena de processos na mais alta corte de Justiça nacional e tais processos dormitarem há mais de uma década, sem que nada lhe aconteça? O STF é, agora, parte do jogo em que se tenta de todas as maneiras e artifícios domesticar uma parte do Poder Judiciário, levando a Lava Jato para o lugar – pensam eles – de onde ela jamais deveria ter saído: o anonimato das pastas e gavetas do MP, deixando impunes os corruptos, grandes ou pequenos.
Ao mesmo tempo em que tudo acontece, o elemento novo é uma população digital, empurrando morro acima a necessidade de alguma justiça e punição, algo raro, impensável e distante da realidade de quem se acostumou com o poder e a impunidade.
Embala esse teatro de horrores o vácuo de poder político que se abriu com a bancarrota da esquerda. Com o impeachment e a perda espetacular de prefeituras à esquerda, nesta última eleição, o país vê levantar-se uma onda de descontentamento, de sentimentos conservadores reprimidos por décadas de politicamente correto e de autoritarismo ideológico da esquerda. A ausência de outra coisa que não fosse a esquerda liberal, no cenário cultural e político, tornando ilegítimo qualquer sentimento outro, soterrou a possibilidade do desenvolvimento de forças e ideias diferentes que fossem acolhidas legitimamente no palco da democracia. O resultado é, agora, uma avalanche de sentimentos contidos e reprimidos que não querem apenas ser ouvidos; querem destilar ódio, vingar e afrontar, eliminando tudo e todos que de alguma maneira possam ser associados à “democracia” da esquerda liberal.
O resumo dessa história é um país carcomido pela corrupção, com todas as principais instituições do Estado e seus representantes não apenas envolvidos na lama fétida da corrupção, mas o fato de que o próprio poder não tem mais legitimidade para curar-se dos tumores que produziu. Esse é o buraco mais fundo de onde sairemos com imensa dificuldade. As instituições da democracia e seus representantes não têm mais legitimidade ou perdem o pouco que têm, impedindo uma solução pelas vias legais e reconhecidas juridicamente.
A Lava Jato nos levará, se assim conseguir, frente a frente com o que a democracia da esquerda liberal produziu: um modus operandi político assentado na corrupção como meio de governar. Mas, se obtiver sucesso em sua empreita, o resultado será um país esfacelado diante da farsa que se tornou, por descobrir que não construiu uma democracia; construiu uma concertação de corrupção estatal-empresarial, montada na sela de uma ideologia vendida como iluminação e modernidade.