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 | Daniel Castellano/Gazeta do Povo
| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

Normalmente, as greves têm por objetivo reivindicações salariais, inclusive no serviço público. O direito de greve é previsto na Constituição Federal, com limites definidos em lei, tanto ao setor privado, quanto ao público. A Lei 7.783/89 dispõe sobre o exercício do direito de greve, define as atividades essenciais e regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. E o Supremo Tribunal Federal decidiu que a Lei de Greve do setor privado seria aplicada ao setor público no que coubesse, ao menos enquanto não fosse elaborada legislação ordinária própria, que no momento é objeto de Projeto de Lei 287/2013, ora em trâmite no Senado Federal.

Em qualquer situação, incontestável que, em contraprestação ao fato de os contribuintes permanentemente pagarem tributos, os serviços públicos devem ser prestados de forma contínua e com qualidade, serviços que em muitas situações têm sido realizados de forma ineficaz, constituindo débito perante a comunidade. O conceito e exercício da cidadania, garantido pela Constituição, compreende direitos sociais e a perene observância do interesse público. Assim, é fundamental o aprimoramento do sistema político; que haja maior participação e a adoção de medidas que o país reclama para atingirmos o pleno exercício de cidadania, no qual o Estado serve a sociedade, e não dela se sirva.

O que temos observado é que a Lei de Greve não está sendo respeitada. Os meios que têm sido adotados violam e constrangem os direitos e garantias fundamentais da população, como no caso o transporte coletivo, constitucionalmente previsto como direito fundamental, legalmente classificado como serviço e atividade essencial a que a população tem pleno direito, de tal forma que, durante a greve, deve-se manter em atividade equipes de empregados/funcionários para assegurar os serviços cuja paralisação possa resultar em prejuízo irreparável, especialmente quando se tratar de atividade essencial às necessidades inadiáveis da comunidade, a exemplo daquelas voltadas à sobrevivência, saúde e segurança, devendo o poder público suprir os serviços indispensáveis.

Não é justo que o contribuinte pague tributos para a prestação de serviços públicos e não os receba

Ressalta-se o exemplo da Associação Comercial do Paraná (ACP) em sua preocupação com o interesse público, papel este que vem exercendo ao longo da história. A ACP, cumprindo seus desígnios, por nosso intermédio ajuizou uma Ação Civil Pública contra a paralisação geral a que aderiram os trabalhadores em transporte público, denominada pelos sindicatos como forma de protesto contra as eventuais reformas trabalhistas e previdenciárias propostas pelo Poder Executivo federal. Tal motivação demonstra o caráter meramente político da paralisação, o que, além de não ser aceito legalmente, desrespeita o direito e as garantias fundamentais (artigo 6.º da CF). O transporte coletivo público, como atividade indispensável, não pode sofrer interrupção, o que fere direitos fundamentais. A ACP agiu em defesa do comércio, mas também da comunidade, eis que princípios e normas constitucionais invocados visam sobremaneira proteger os mais necessitados de transporte público, que por vezes dele dependem até para buscar atendimento médico.

As decisões dos tribunais têm sido no sentido de não haver conformação de greve quando o movimento não estiver vinculado a qualquer reivindicação atinente ao contrato de trabalho, especialmente afastando o direito à greve por motivação política. Segundo a jurisprudência: a greve política é aquela dirigida contra os poderes públicos para conseguir determinadas reivindicações não suscetíveis de negociação coletiva; não é um meio de ação em benefício dos interesses profissionais da classe trabalhadora e, portanto, não está compreendida dentro do conceito de greve trabalhista; a greve não constitui um direito absoluto se não observar as limitações legais, sendo considerada abusiva mormente em se tratando de serviços essenciais de transporte coletivo e urbano. Em resumo, a greve sem reivindicação relacionada ao contrato de trabalho é abusiva e ilegal, além de trazer sérios prejuízos, de toda ordem, à população.

O regime democrático admite e até pressupõe manifestações da sociedade, ou de entidades que a integram, a favor ou contra qualquer proposta legislativa, até mesmo para que os parlamentares possam se inteirar das opiniões a respeito dos temas que estejam discutindo e possam chegar à votação, promulgação, veto ou sanção. Para tais manifestações existem inúmeras formas legais plenamente aceitáveis; contudo, não podem chegar a ser abusivas, como a paralisação do trabalho ou a greve que extrapolam os limites legais. Há de se manter em pleno funcionamento as instituições e o respeito ao Estado Democrático de Direito.

O Congresso aí está para representar a sociedade e os cidadãos, e promover as reformas justas e necessárias. A atuação da sociedade há de se fazer presente por meio dos parlamentares, representantes do povo, por ele devidamente eleitos. As paralisações havidas põem em risco a própria autoridade do Estado, especialmente o Estado Democrático de Direito, ao colocar a população contra o funcionamento normal da discussão democrática no Congresso Nacional. Inclusive a greve atual, em seu mérito, prejudica o país, que necessita de reformas, como a própria reforma previdenciária, para recuperar a sua condição de sobrevivência e desenvolvimento. Em observância das normas que regem o regime democrático e Estado de Direito, é no Poder Legislativo que se verifica a discussão, pareceres e eventual aprovação de leis. Ademais, a paralisação do trabalho somente agrava a situação econômica; portanto, dentre outros fatores, prejudica o emprego e a arrecadação de recursos públicos.

Não é justo que o contribuinte pague tributos para a prestação de serviços públicos e não os receba. No Brasil, neste momento, impõe-se uma ampla reforma administrativa para tornar eficaz o aparelho estatal, o que, além de atender à sociedade, também resultaria em benefício aos bons servidores que poderiam ser mais bem remunerados. É fundamental eliminar o desperdício representado pelos gastos com aqueles que não cumprem seus deveres, com a má gestão, com injustos privilégios, com a corrupção, com a excessiva carga tributária e burocracia, com a demagogia, com a falta de atitudes. Há de se atentar e cumprir as disposições que preveem o ressarcimento pelo poder público, quando da má prestação de serviços públicos, ou de sua ausência, que resultam lesão e prejuízos à sociedade e aos cidadãos, caso em que, havendo dolo ou culpa, o valor ressarcido pelo Estado deverá ser cobrado dos próprios servidores, mediante ação de regresso (CF, artigo 37, §5.º e §6.º; e também as que estabelecem que, sendo a greve julgada ilegal, certo é que os grevistas não recebam a remuneração correspondente aos dias parados.

Cleverson Marinho Teixeira é sócio do escritório Cleverson Marinho Teixeira Advogados Associados e consultor jurídico da Associação Comercial do Paraná (ACP).
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