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Elon Musk faz enquete sobre retorno de Trump ao Twitter: “Voz do povo, voz de Deus”
Donald Trump, ex-presidente dos Estados Unidos| Foto: EFE/EPA/DAVID MAXWELL

Em sendo verdade que a história de alguma forma se repete, ainda que com diferentes matizes, é lícito inferir que o governo Trump (2017- 21) usou e abusou da democracia americana e foi, em muitos aspectos, uma repetição do desastre político experimentado durante a administração Nixon (1969-74). Todavia, o que de fato poderia aproximar esses dois governantes, que exerceram o poder em épocas tão distintas sob vários ângulos?

Em comum, eles não demonstravam qualquer apreço pelas regras da democracia, e ambos possuíam uma patológica sede de poder pessoal, uma relativa independência em relação ao seu próprio partido (o Partido Republicano), um egocentrismo doentio e uma capacidade inigualável de polarizar, de gerar conflitos e desencontros, de tolerar ou incentivar a violência e de dividir a sociedade norte-americana.

É importante consignar o aspecto comum (e mais importante) às administrações Trump e Nixon: ambas foram literalmente implodidas pelo sistema constitucional de freios e contrapesos presente na democracia americana.

Como se não bastassem todas essas semelhanças, tanto Richard Nixon como Donald Trump disfarçavam suas inseguranças e seus traumas pessoais através da adoção de um comportamento antidemocrático, arrogante, autoritário, ameaçador e que literalmente exalava ódio, buscando passar para a opinião pública – em especial para os seus seguidores mais leais e mesmo fanáticos – uma imagem protetiva marcada pela prepotência. Ambos também travaram uma competição com seus principais assessores, evitando a todo custo que eles alcançassem eventual protagonismo que pudesse concorrer com o titular da Casa Branca – razão principal das constantes mudanças ao longo dos respectivos mandatos, o que sinaliza certa insegurança presidencial.

Ademais, cabe salientar que nas duas administrações o conflito com a imprensa foi uma constante. Em diversas ocasiões, Trump, ainda candidato, fez ameaças diretas aos profissionais de imprensa, conforme citado por Steven Levitsky e Daniel Ziblatt na profética obra Como as Democracias Morrem: “Vou ampliar o escopo de nossas leis de calúnia e difamação para que, quando eles escreverem artigos propositadamente negativos, horríveis e falsos, nós possamos processá-los e ganhar muito dinheiro”.

Ainda que seja possível reconhecer alguns êxitos administrativos em ambas as gestões, particularmente nas relações com o Oriente Médio, o comportamento pessoal de Trump, completamente desassociado da liturgia e magnitude do cargo, acabou por ofuscar eventuais sucessos obtidos no setor econômico e no desenvolvimento de uma contraposição à expansão chinesa no Mar Meridional, entre outras iniciativas relativamente exitosas.

Sob alguns ângulos analíticos, o famoso escândalo político Watergate, evento que, ao final, culminou na renúncia de Nixon, em 9 de agosto de 1974, pode ser equiparado à atitude insensata de Trump, já no final de seu mandato, de não reconhecer a vitória eleitoral de Joe Biden, fato que atingiu o seu ápice com a invasão do Capitólio por parte de um violento grupo de trumpistas extremistas, convocados e incentivados diretamente pelo próprio presidente Trump, em 6 de janeiro de 2021.

Vale pontuar que, mesmo que Trump houvesse vencido as eleições em 2020, muito provavelmente sofreria um impeachment ao longo de um hipotético segundo mandato, fazendo com que sua trajetória presidencial novamente se aproximasse daquela experimentada por Nixon, permitindo concluir que, muito embora reconhecidamente existentes os inimigos internos do regime democrático, é muito pouco provável a sua vitória em democracias maduras e consolidadas, nas quais as instituições do Estado conferem garantias à sobrevivência da democracia.

Nesse sentido, cabe ressaltar um ineditismo emblemático da administração Trump que residiu no inusitado fato: pela primeira vez na história estadunidense, um presidente no exercício do cargo, por exclusiva iniciativa de empresas privadas, e sem qualquer interferência do poder público competente, foi impedido de se comunicar através de determinados meios disponíveis. No caso de Trump, o bloqueio das contas do Twitter e demais restrições por parte do restante da imprensa, inaugurando, assim, um precedente na história de uma sociedade aberta e democrática, o que, para muitos – controvérsias à parte –, também representou um marco na defesa (privada) da democracia.

Por fim, é importante consignar o aspecto comum (e mais importante) às administrações Trump e Nixon: ambas foram literalmente implodidas pelo sistema constitucional de freios e contrapesos presente na democracia americana (e nas demais democracias consolidadas), que, portanto, se apresentam sólidas o suficiente para fazer frente a qualquer arbitrariedade presidencial.

Nesse sentido, recordemos, por exemplo, o recado criminoso dado (via Twitter) por Donald Trump a Mike Pence, vice-presidente dos Estados Unidos, que presidiu a sessão congressual do dia 6 de janeiro de 2020, relativa ao processo de certificação da vitória de Joe Biden: “Mike Pence não tem coragem para fazer o que é preciso para proteger o nosso país”.

Quanto a Nixon, cabe lembrar que a solidez das instituições americanas da época fez com que ele cedesse à determinação do Congresso americano – amparada em decisão proferida pela Suprema Corte – no sentido de que entregasse as gravações ilegais relativas à sua conturbada administração, e em especial, ao caso Watergate. Isso tudo nos remete a uma sábia frase dita pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal: “A democracia não tem lugar para os que dela abusam”.

Reis Friede é professor emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) e da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais do Exército (EsAO), professor Honoris Causa da Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica (ECEMAR), membro da Sociedade Brasileira de Direito Aeroespacial (SBDA), da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED), do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil (IGHMB) e da Academia Brasileira de Defesa (ABD). É coautor da obra “Das Novas Guerras (Fenomenologia dos Conflitos Armados)”.

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