Enquanto não for extirpada a praga da reeleição ou revistas as normas de moralidade discutível que conferem ao dono da máquina oficial os privilégios desfrutados à larga pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e, agora, pelo candidato em campanha, presidente Lula, as pesquisas continuarão a registrar o folgado favoritismo dos beneficiados na fita de largada. Continuaremos a assistir ao espetáculo deprimente da troca de acusações, de denúncias e agressões entre o ex, derrotado na sucessão, e o candidato a bisar os quatros anos de folia administrativa.
O flagrante do momento não pode ser mais didático para se conferir o quadro insustentável e de correção complicada, e seu efeito corrosivo na desmoralização institucional dos três poderes, envolvidos, em graus diversos, no festival de espertezas e de golpes por baixo da mesa. A súbita onda otimista que aquece a campanha de Lula e arrebenta na praia petista, molhando o lixo dos escândalos do caixa 2 e do mensalão, era previsível com a segurança matemática da soma de dois e dois. Tal e qual pintou e bordou o FHC, padrasto da reeleição, quando apostou todas as fichas do cacife oficial para espichar o mandato, Lula, aluno aplicado, supera o mestre na ordenha das regalias privativas do exercício do cargo executivo. E que são imensas e inesgotáveis, como que se multiplicam nos milagres de período eleitoral. Lula iniciou a virada que agora celebra na confraternização do jantar que juntou os 26 anos da fundação do PT, recém-saído da UTI, com a arrecadação de cerca de R$ 1 milhão com a venda de convites de valores entre R$ 5 mil a modestos R$ 200 murcho e esquivo, na rabada das pesquisas, com índices desqualificantes de rejeição. E sob o fogo das denúncias das CPIs dos Correios e dos Bingos, noves fora a do mensalão de pífio desempenho.
Se sempre foi candidato a mais quatro anos de residência no Palácio Alvorada e fins de semanas na Granja do Torto, purgou os momentos de cepticismo na amargura da decepção. A saída traumática de José Dirceu da chefia da Casa Civil desmantelou o esquema político. O jeito original de delegar as responsabilidades da enfadonha rotina burocrática aos 31 ministros e secretários do obeso napeiro espalhado pela Esplanada dos Ministérios em gabinetes separados por tabiques, expôs os erros crassos da improvisação e das deficiências do chefe que não passou pelo aprendizado de cargos municipais e estaduais. E transitou pelo Congresso, como gato em braseiro, no único mandato de deputado federal, com desempenho medíocre. Esperteza e malícia nunca faltaram ao torneiro mecânico de ascensão fulminante. Lula encontrou a cancela de saída e por ela escapuliu, lançando-se à campanha com o disfarce transparente de negar sempre, com o rosto congelado, sem mexer um músculo, que caçava os votos espalhados pela decepção. Usa e abusa da máquina oficial com a mesma sem-cerimônia com que viaja no seu milionário avião privativo. A superexposição em meses de campanha em tempo integral, com palanque, platéia, foguetório, discursos, inaugurações de qualquer coisa ou de promessas como ensinou e provou o Duda Mendonça apaga as manchas de delúbios e rende pontos nas pesquisas. A colheita dos 10% de vantagem sobre o prefeito de São Paulo, José Serra, comprova o acerto da tática. O mais é conseqüência. Dos embaraços da oposição sem candidato natural e sob a ameaça da dispersão dos aliados à denúncia contra FHC, pela declaração de que "a ética do PT é roubar". Claro, vai dar em nada.
A reeleição, com as regras frouxas da abusiva permissividade que dispensa a desincompatibilização, está nas convulsões de moribunda. Ou será extinta sem deixar saudades ou submetida à plástica radical que disfarce os defeitos de nascença. Teremos que suportá-la em mais uma eleição. Com a mesma tolerância com que assistimos à peteca de denúncias entre Lula versus FHC, PT contra tucanos e pefelistas, no gramado seco da hipocrisia. Todos cobertos de razões e com os fundilhos rasgados pela contradição: Lula acusa o seu antecessor de ter inaugurado obras, viajado, discursado e espalhado promessas em campanha. Recebe o troco na mesma moeda.
O Poder Judiciário está sob a vexaminosa rebelião dos tribunais estaduais pela manutenção do nepotismo. E o governo não acabou de tapar os buracos na rede rodoviária e é exposto ao vexame do clamor de reclamações: os remendos de piche e areia desfazem-se com a chuvarada como açúcar na xícara do cafezinho. Com as vidraças estilhaçadas, quem pode atirar pedra na janela do vizinho?