Nos últimos dias de 2023, após incansáveis e inúmeras discussões acerca do tema, o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional 132, da Reforma Tributária – a qual representa a primeira reforma ampla do sistema tributário sob a Constituição Federal de 1988. O principal efeito pretendido pela reforma diz respeito à simplificação do sistema tributário brasileiro, considerado um dos mais complexos e onerosos do mundo – muito pela grande quantidade de impostos, taxas e contribuições existentes, além do modelo intrincado e recorrente da entrega de obrigações acessórias ao fisco.
Tendo isso em vista, uma de suas medidas mais importantes é a unificação de cinco tributos – PIS, Cofins, IPI, ISS e ICMS – em uma cobrança única no formato dual: um a nível federal (CBS - Contribuição sobre Bens e Serviços), que substituirá os três primeiros, e outro no âmbito estadual (IBS: Imposto sobre Bens e Serviços), que substituirá ISS e ICMS. Ambos os tributos serão do tipo IVA (Imposto sobre Valor Agregado), modelo adotado em mais de 100 países e que acaba com o chamado “efeito cascata”, evitando, assim, que um mesmo imposto seja pago mais de uma vez durante o processo de produção e/ou comercialização de um produto. Apesar de ter sido aprovada de modo relativamente rápido – já no primeiro ano do novo governo –, naturalmente a proposta da reforma tributária passou por idas e vindas no âmbito do legislativo brasileiro.
É válido lembrar que o texto que deu origem à Emenda Constitucional 132 é oriundo da PEC 45/2019, aprovada inicialmente pela Câmara dos Deputados no dia 7 de julho de 2023 e remetida posteriormente ao Senado, que aprovou em 8 de novembro, com alterações. No dia 15 de dezembro, a Câmara realizou nova votação e aprovou a versão final do documento.
Uma das principais alterações apresentadas pelo Senado diz respeito à criação de uma “trava” para evitar um aumento da carga tributária sobre o consumo, com uma previsão de teto às alíquotas de CBS e IBS – calculado a partir da média da receita entre 2012 a 2021 dos impostos que serão extintos (IPI, PIS, Cofins, ISS e ICMS) e sua proporção no PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro. Assim, a partir desse cálculo que se baseia na relação entre a receita média e o PIB, caso o limite seja ultrapassado, a alíquota deve ser reduzida.
Medidas foram incluídas para reduzir a taxação de setores específicos (como comunicação institucional, eventos e profissionais liberais), atribuir alíquota zero para determinadas atividades e, ainda, estipular regimes específicos de tributação – voltados para segmentos como o de agências de viagem, concessão de rodovias e telecomunicações. Outro ponto importante traz mudanças acerca do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, criado para apoiar o desenvolvimento de regiões de menor renda. Com as alterações, os recursos do fundo chegariam a R$60 bilhões anuais a partir de 2043 – em 2034, serão R$ 40 bilhões, valor que terá um aumento de R$2 bilhões anuais até 2043.
Conforme previsto no texto da reforma, existem três prazos para as regras de transição. O primeiro, voltado diretamente para os contribuintes, durará sete anos – entre 2026 e 2033 –, período no qual o IBS será implementado gradualmente, com a redução dos tributos substituídos até que sejam, de fato, extintos. O segundo diz respeito à partilha federativa, com a duração de 50 anos, de modo que garanta à União e seus entes uma participação na arrecadação de tributos que se assemelhe à atual, a partir de uma transição gradual. Por fim, o terceiro prazo se refere à extinção do IPI, que deve ocorrer até 2033.
Os pontos e definições apresentados pela reforma – que vão além dos discutidos neste artigo – naturalmente têm trazido novas discussões por parte do mercado. Isso porque, por mais que represente um passo no sentido de modernizar e simplificar o sistema tributário, entende-se que muitas das distorções criadas terão de ser corrigidas. A própria transição para o novo modelo deve ser marcada por desafios e desencontros, já que haverá um período longo de coexistência entre os tributos atuais e os que serão criados – o que pode gerar um ambiente tributário ainda mais complexo no país, com a geração de incertezas para os contribuintes. Além disso, o governo estima que a alíquota de CBS e IBS fique em torno de 27,5%, que representaria um dos IVAs mais altos do mundo.
Para 2024, espera-se mudanças no Imposto de Renda – visto que a PEC da reforma estabelece um prazo de 90 dias para que mudanças na taxação sobre renda sejam propostas e enviadas ao Congresso. Com a expectativa que corrija distorções presentes há muitas décadas no país, temas como a taxação da distribuição de lucros e dividendos das empresas, limite de isenção para pessoas físicas e alíquotas maiores para quem recebe mais devem ser debatidos.
Por fim, este ano deve representar um período fundamental para que a mudança no modelo possa acontecer de modo fluido, a partir, sobretudo, da elaboração de leis complementares ao texto da reforma. O governo federal, com o intuito de regulamentar a reforma tributária, instituiu o Programa de Assessoramento Técnico à Implementação da Reforma da Tributação sobre o Consumo (PAT-RTC) – por meio da Portaria MF 34/2024 –, de modo que este possa suportar a criação de anteprojetos de lei sobre o tema. A partir da instalação da comissão do programa, este terá 60 dias para concluir suas atividades. O saldo da reforma pode ser positivo, no entanto, para que essa expectativa se confirme, temos de aguardar os próximos capítulos de uma novela tributária que ainda está longe de se encerrar.
Ralf França, sócio especialista em Planejamento Tributário no Ferreira & Vuono Advogados, é pós-graduado em Direito Tributário.
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