A política fiscal do próximo governo precisa combinar a redução da carga tributária, hoje uma das mais altas na comparação com os países de mesmo grau de desenvolvimento, com redução de gastos públicos
A economia brasileira atravessa uma fase extremamente positiva sob diversos ângulos. A retomada do crescimento econômico após a crise financeira internacional e a manutenção dos avanços na área social, com destaque para a redução da miséria absoluta, são elementos centrais deste cenário positivo que marca o fim da segunda gestão Lula. O sentimento de melhoria nas condições de vida da população é nítido e se reflete, em grande medida, na situação extremamente favorável da candidata do governo para a próxima eleição presidencial.
No entanto, apesar dos inegáveis avanços do país, existem inúmeros desafios na área da política econômica que precisam ser enfrentados pelo próximo governo. Uma primeira tarefa encontra-se na redução do nível da taxa de juros real do país. Não faz sentido no atual cenário econômico de brutal redução das taxas de juros internacionais e avanços significativos da economia doméstica manter a mais alta taxa de juros real do mundo. Taxas de juros elevadas desestimulam os investimentos produtivos, concentram recursos em aplicações financeiras de curto prazo que em nada contribuem para o financiamento do desenvolvimento e, principalmente, elevam o custo financeiro da rolagem da dívida pública. Em 2009 o pagamento com juros da dívida pública interna totalizou R$ 179 bilhões. É bom lembrar que o governo espera gastar R$ 21 bilhões com Educação e R$ 23,4 bilhões com as obras do PAC em 2010.
No campo fiscal, os desafios são igualmente relevantes. Após a eclosão da crise financeira internacional em 2008, o governo promoveu um amplo conjunto de políticas de elevação dos gastos, políticas importantes no momento mais agudo da crise. Agora, passada a fase mais severa, é preciso rever a política de gastos governamentais. A política fiscal do próximo governo precisa combinar a redução da carga tributária, hoje uma das mais altas na comparação com os países de mesmo grau de desenvolvimento, com redução de gastos públicos. A recuperação dos superávits primários nos níveis pré-crise financeira em 2009 o superávit foi de 2% do PIB, contra uma média de 3,5% nos anos imediatamente anteriores é essencial para permitir a adequada gestão da dívida pública federal.
Outro desafio importante, sobretudo no que tange o tema da competitividade externa da indústria brasileira, diz respeito à política cambial. O Banco Central do Brasil tem assistido (de forma passiva) a um brutal processo de valorização do real, fruto da retomada dos preços das commodities no cenário internacional e da ampliação da liquidez para os países emergentes.
A combinação da valorização do real com a elevação na participação de alguns países emergentes (com destaque para a China), enquanto destino das nossas exportações, tem gerado efeitos preocupantes no que tange a inserção externa do país. Em 1994, aproximadamente 25,4% de nossas exportações eram de produtos básicos e 57,3% de produtos manufaturados. Em julho de 2010, no acumulado do ano, registrava-se 43% de exportações de produtos básicos e apenas 40,7% de exportações de manufaturados. A experiência histórica tem demonstrado, com inúmeros exemplos, que países que se especializam na exportação de produtos básicos e perdem espaço nas exportações de manufaturas dificilmente desfrutam de uma trajetória de crescimento equilibrado.
Esses são apenas alguns desafios, específicos da gestão da política econômica que o próximo governo precisará enfrentar caso deseje promover o desenvolvimento econômico do país no longo prazo. Em períodos de prosperidade não deveríamos ficar apenas admirando nossos avanços. O mais importante é entender que, mesmo nos momentos positivos, existem inúmeros desafios no país, pena que o debate político passe simplesmente à margem dessas discussões.
Marcelo Curado é vice-diretor do Setor de Ciências Sociais Aplicadas da UFPR. Email:curado@ufpr.br