Curitiba não pode ser uma ilha, ter cercas invisíveis em sua administração
Curitiba completa 318 anos apresentando vários aspectos positivos quando comparada a outras metrópoles brasileiras e latino-americanas. Entretanto, a cidade deve enfrentar desafios cada vez maiores, e de maior complexidade, no que se refere à sua gestão pública, como a questão metropolitana.
A cidade não pode mais ser pensada sozinha e por isso a integração cada vez maior com a região metropolitana deve ser um objetivo. Ela influencia de forma decisiva as políticas de saúde, transporte, educação, segurança e a coleta e tratamento de lixo.
No transporte coletivo, por exemplo, um estudante universitário do período noturno que também trabalha chega a levar quatro horas para o seu transporte entre sua casa na região metropolitana, o trabalho e a faculdade na capital e a volta para a sua cidade. Isso não é aceitável. As soluções são difíceis, mas é necessário ousar. O uso abusivo do transporte individual por veículo automotor é inviável, inclusive para a agilidade do transporte coletivo. Não há espaço físico para todos, e quem mais sofre é o passageiro do ônibus, que tem menos condições de conforto e gasta mais tempo com o seu deslocamento. É preciso desestimular e restringir o transporte individual por automóveis. Obras de engenharia e de trânsito devem priorizar o transporte coletivo, quer seja ônibus ou, futuramente, o metrô. Soluções menos caras, como o incentivo de bicicletas como meio de transporte, também podem ajudar. É um veículo não poluente e barato, que deve ser incentivado. As ciclovias precisam ser ampliadas, e as ciclofaixas, implementadas, promessa de uma década até o momento não cumprida pela prefeitura de Curitiba.
Ainda em relação ao transporte, o formato jurídico da Urbs, uma sociedade de economia mista, precisa ser estudado. Pelo seu papel regulador, de fiscalização e poder de polícia, tipicamente estatal, parece mais apropriado o formato de autarquia, pessoa jurídica com autonomia e de direito público. Depois das polêmicas dos radares, com a decisão de rescisão do contrato, isso se torna mais importante. É necessário dar mais transparência e clareza, observar o princípio da publicidade, presente em nossa Constituição de 1988. Isso vale também para as licitações da prefeitura. Algumas parecem intermináveis e não muito claras, como a do lixo. Não basta o gestor público seguir a lei. É preciso ir além, ser ético e eficiente.
A saúde e a educação são outros pontos delicados na gestão da cidade. As secretarias municipais dessas áreas apresentam políticas públicas consistentes, bons resultados e boa parte do corpo técnico concursado de excelente nível. Sem eles, as políticas públicas não têm continuidade e consistência. Algumas delas precisam de anos para gerar bons resultados. É necessário melhorar a remuneração e a carreira de nossos servidores municipais, caso contrário, corre-se o risco de perdê-los para empresas privadas, ou públicas, que os remunerem de forma mais competitiva. Na educação são necessárias mais vagas para creches e em pré-escolas. Na saúde, fazer o enfrentamento com o gargalo das especialidades e da atenção hospitalar. Uma das possíveis alternativas é um consórcio de saúde, em parceria com prefeituras da região metropolitana.
A segurança pública é outra preocupação, talvez a maior dos curitibanos. É correto dizer que a principal responsabilidade, conforme nossa Constituição, é da União e dos governos estaduais. Entretanto, a prefeitura não pode se recolher na comodidade de dizer que a segurança não é sua atribuição. Precisa ser ator efetivo desse combate, promovendo políticas públicas integradas e intersetoriais que promovam um ambiente mais seguro e de menor violência.
Curitiba não pode ser uma ilha, ter cercas invisíveis em sua administração. Pode ter um ótimo sistema de saúde, por exemplo, mas que não dá conta da demanda enquanto alguns de seus municípios vizinhos não tiverem um mínimo de estrutura para atendimento primário. Política pública não se faz somente com obras, e sim com servidores concursados, qualificados, bem- remunerados e com planejamento e ações de curto e, especialmente, médio e longo prazos.
Christian Mendez Alcantara, doutor em Direito, é coordenador do curso de Gestão Pública do Setor de Educação Profissional e Tecnológica da UFPR.