Ouça este conteúdo
No início de seu mandato, o atual presidente desta República brasílica declarou que os livros de economia estão desatualizados. Não foram bem estas as suas palavras, mas a paráfrase é fiel às suas intenções. Naquele momento, com pouquíssimo tempo de seu terceiro mandato, havia um clima revanchista (indiscriminado?). A transição não fora mesmo tranquila e os ânimos estavam acirrados. Ainda assim, ousamos dizer que os livros de economia não só não estão desatualizados como podem ajudar ao presidente em suas propostas de política econômica e também a nós, que precisamos sobreviver a mais uma administração federal.
Primeiramente, o arcabouço fiscal. A despeito do discurso para plateias cativas, de que o teto de gastos seria “neoliberal” ou que seria a causa de todos os nossos males, o fato é que o novo ministro do recém recriado Ministério da Fazenda deparou-se com um problema fiscal elementar: receitas devem cobrir despesas e o endividamento, ao contrário dos diamantes, não é eterno. Pode-se discordar da solução proposta – e o arcabouço é passível de críticas em muitos aspectos – mas o fato é que reconhecer a necessidade de algum tipo de regra fiscal é seguir, de perto, o que dizem os livros texto de economia.
A numerologia não salvou a Argentina e também não irá nos desviar do caos. A boa economia e os bons livros texto, estes sim, têm o potencial de nos colocar em bom caminho.
Em segundo lugar, mais ainda no campo da batalha fiscal, o governo apressou-se para emplacar uma proposta de reforma tributária. Não é novidade para ninguém que tenha estudado economia desde os anos 80 que a discussão da reforma tributária teria que dar lugar, finalmente, a uma proposta efetiva. Fazer congressos e seminários sobre a reforma tributária é fácil. Propor, por outro lado, exige um choque de realidade e as diversas exceções penduradas na reforma – que aumentam seu custo para os pagadores de impostos – mostram como os livros texto estão, novamente, atualizadíssimos. Afinal, eles falam sobre como grupos de interesse atuam sobre a configuração de custos e benefícios, em prol de seus interesses apenas. Vale notar que segundo Santos, Mancuso, Baiard e Resende (2017), num texto para discussão do IPEA, os grupos de interesse (lobby) percorrem um caminho de tendência de profissionalização no Brasil, com repertório amplo de ações, notadamente a disseminação de informações e a influência sobre os parlamentares.
A política monetária, que, nas notícias recentes, virou até chacota na vizinha Argentina – onde se descobriu que a autoridade monetária do país havia contratado uma “numeróloga” por um salário invejável – também foi muito bombardeada. Não, claro que não se pedia que o presidente do nosso Banco Central do Brasil contratasse um(a) numerologista. Até achamos que seria melhor que contratassem um numismata. O especialista poderia nos contar algo sobre a evolução da moeda argentina.
Pois bem, por aqui, no início do ano, acusava-se a política monetária de ser muito dura com os planos de crescimento rápido do governo que levou alguns meses para apresentar um esboço de arcabouço fiscal. O cenário externo no início do ano pode até ter mudado um pouco (quase ninguém se lembra mais que há uma guerra no coração da Europa), mas os indicadores não mentem, nem sob tortura: estamos com baixíssimos níveis de desemprego e com um cenário de incerteza internacional. Vale lembrar que as evidências sugerem que bancos centrais independentes alcançam, com maior facilidade, o objetivo de longo prazo de manter inflação baixa e estável. Mais uma vez, o livro de economia estava correto: se é para baixar a taxa Selic, que isto seja feito com a devida cautela. O resultado é visível: o presidente do Banco Central seguiu os manuais e a inflação cedeu.
Estes são três exemplos, mas poderíamos mencionar mais alguns outros. Assim como não há “novo normal” na vida, também não o há na Ciência Econômica. A pandemia passou e o normal, aquele que conhecemos bem, voltou a reger nossas rotinas. A economia, aos poucos, volta ao normal e as políticas econômicas aqui e lá fora (talvez com a exceção da necessidade de uma numeróloga na Argentina e de alguns poucos países de orientação monetária não ortodoxa) também retomam os caminhos tradicionais para garantir que o valor da moeda seja preservado sem abrir mão do crescimento econômico.
Obviamente, ainda há muitas ideias que bem poderíamos chamar de numerológicas, em alusão ao triste episódio que se soma a tantos outros que assolam nossa vizinha campeã mundial de futebol masculino. Algumas regulações propostas – por políticos, juízes, ministros etc. – parecem se esquecer dos manuais de economia. Estas, sim, são ideias perigosamente ultrapassadas, no sentido de gerarem o efeito contrário ao desejado. A numerologia não salvou a Argentina e também não irá nos desviar do caos. A boa economia e os bons livros texto, estes sim, têm o potencial de nos colocar em bom caminho.
Ari Francisco de Araujo Jr. é coordenador do curso de Economia do Ibmec-BH; Claudio D. Shikida é professor do curso de Economia do Ibmec-BH.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos