Nos últimos meses, a sociedade brasileira foi sacudida por uma série de episódios chocantes de violência e discriminação, em nome de uma suposta "guerra contra o crime". Diante de estatísticas elevadas de criminalidade, desde os crimes violentos como o homicídio e o roubo até as denúncias de corrupção e desvio do dinheiro público, têm crescido no Brasil a ideia de "fazer justiça pelas próprias mãos" e a descrença na capacidade das instituições para dar conta do desafio da redução da violência e do crime.
Em meio a essa onda de irracionalidade coletiva, que acirra os ânimos e incita a episódios de linchamento e outras atrocidades, em nada contribuindo para a efetiva solução do problema, surge agora, tentando surfar na mesma onda, a proposta de revogação das conquistas obtidas com a entrada em vigor do Estatuto do Desarmamento.
Criada em meio ao processo eleitoral, uma comissão especial para tratar da matéria formada, não por acaso, por um número expressivo de deputados cujas campanhas foram financiadas pela indústria das armas está prestes a aprovar e encaminhar ao plenário da Câmara o Projeto de Lei 3.722/2012, de autoria do deputado Rogério Peninha Mendonça, que propõe substituir a lógica da defesa da vida presente no Estatuto pela lógica da defesa da arma.
Entre outras aberrações do ponto de vista de uma política pública efetiva de redução da violência, o projeto prevê o restabelecimento do porte civil de armas, permitindo assim que pessoas possam circular armadas pelas ruas e conduzir armas em seus veículos, com consequências bastante previsíveis para o acirramento da violência. O argumento de que o "cidadão de bem" deveria poder andar armado, além de insustentável do ponto de vista da possibilidade de alguém reagir a um assalto, aumentando as chances de vitimização, torna ainda os portadores de armamento vítimas preferenciais da criminalidade, que terá facilitado o seu acesso às armas.
Além disso, a proposta em tramitação flexibiliza os critérios para a aquisição da arma. Atualmente, o Estatuto proíbe a compra por parte de quem apresenta antecedentes criminais. A proposta do deputado Peninha e da bancada da bala flexibiliza esse requisito, além de reduzir a idade mínima para aquisição de 25 para 21 anos, e autorizar a compra não mais de seis, e sim de nove armas por pessoa. Além disso, muda o limite de 50 munições por ano por arma para 50 munições por mês, deixando claro a que tipo de interesses se presta a proposta, que nada tem a ver com a defesa eventual contra alguma ameaça, e sim com a disseminação de uma cultura do armamento que somente favorece a indústria armamentista.
Não bastasse tudo isso, o projeto libera a propaganda de armas por qualquer meio, e reduz as penas para os delitos relacionados com a comercialização ilegal de armas.
É inegável a necessidade de investimentos pesados da União e dos estados para a redução da violência, equipando as polícias, integrando suas ações e garantindo condições carcerárias adequadas para evitar a disseminação de facções criminais. Apelar para o conto da disseminação de armas como antídoto para a violência, no entanto, seria o caminho mais curto para que o país amplie ainda mais as suas estatísticas criminais.
Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo, professor e pesquisador da Faculdade de Direito da PUCRS, é conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
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