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Roger Vernon Scruton (1944-2020) foi um filósofo conservador com especialidade em estética e prolífico escritor inglês. Sua abordagem moral e objetiva de assuntos como política, religião, beleza, arte, história e direito lhe renderam o título de intelectual britânico conservador mais bem-sucedido desde Edmund Burke (1729-1797), o pai do conservadorismo filosófico.
Em seu livro Desejo Sexual: uma investigação filosófica, publicado no Brasil em 2016, Scruton trata de um problema em volta do desejo sexual: a ideia do comportamento sexual como um aspecto da condição animal do homem, um mero “‘instinto’ cuja expressão exibe as leis ocultas de um complexo processo biológico”.
O foco do livro, portanto, é o problema do reducionismo “científico” do desejo sexual. Contudo, no processo de construção e apresentação do argumento que dura quase 600 páginas, Scruton também passa por muitos outros assuntos, como o amor, afeição, estima, excitação, moralidade, fenômenos sexuais, feminismo, perversão e política, dando à obra um aspecto muito mais abrangente.
Scruton sustenta que os comportamentos humanos não são redutíveis ou completamente explicáveis pelo biologismo – um tratamento dos fenômenos sexuais como apenas um comportamento animal
Scruton faz tudo isso revisitando de forma pontual e não exaustiva alguns pensadores famosos como Platão, Sócrates, Aristóteles, Agostinho, Pascal, Kant, Kierkegaard, Sartre e Wittgenstein. Recentemente estive em um sebo literário, onde descobri uma seção específica com uma quantidade imensa de livros de sexologia. E, com tantos livros escritos sobre o sexo e o amor, por que alguém deveria ler este? O que Scruton tem de diferente?
Eu diria que o grande diferencial de Scruton é sua abordagem do desejo sexual, que ele chama de “entendimento intencional” ou Lebenswelt (“o mundo da vida”) que compartilha de alguns princípios da fenomenologia. A partir dessa teoria do desejo, Scruton sustenta que os comportamentos humanos não são redutíveis ou completamente explicáveis por um biologismo – um tratamento dos fenômenos sexuais como apenas um comportamento animal –, o que é predominante na ciência moderna, como ele explica no capítulo “A ciência do sexo”.
Para Scruton, “a nossa sexualidade (quando explorada no nível ‘profundo’ da ciência biológica) realmente ‘não é nada além de’ um fenômeno animal, obediente às leis exemplificadas por cães , gatos e cavalos, modificada apenas pelo status evolutivo particular da espécie humana”. Essa abordagem reducionista da ciência moderna do desejo sexual – aplicada através de metodologias naturalistas, materialistas e freudianas – não é capaz de uma compreensão que consiga apreender todos os aspectos humanos (espirituais, morais e físicos) envolvidos no desejo.
É necessária uma teoria mais abrangente, pois “nenhuma taxonomia biológica poderia apreender as especificidades do desejo sexual. O desejo é de fato um fenômeno natural, mas está além do alcance de qualquer ‘ciência natural’ do homem”, escreveu Scruton. Não que a ciência moderna não explique algo, pois o próprio autor reconhece a importância que a ciência moderna tem. Porém, ela funciona como apenas um dos muitos modos de penetrar no assunto.
Essa forma de ver a coisa como um todo que destaca a abordagem de Scruton aproxima-se muito da teoria dos aspectos modais, desenvolvida pelo filósofo cristão do século 19 Herman Dooyeweerd. Sendo assim, a obra de Roger Scruton torna-se interessante para um diálogo com as teorias cristãs da sexualidade humana e uma importantíssima contribuição científica para as discussões mais conservadoras a respeito do assunto.
Fernando Razente é historiador com atuação em rádio, assessoria e mídia.