Os pais e mães de nível socioeconômico (NSE) baixo querem ordem na escola e, assim como os de nível alto, desejam a melhor educação possível para os seus filhos. A afirmação parece óbvia não fosse pelo fato de que existe, comumente, a ideia de que as famílias de baixo NSE seriam incapazes de fazer escolhas adequadas para os seus filhos ou que sequer se preocupam com a educação deles. Trata-se de uma espécie de racismo educacional – cruelmente disfarçado de virtude – de uma elite que entende que minorias, em especial pobres e negros, devem agradecer, não apenas por terem quem faça escolhas educacionais por eles, como também por quaisquer que sejam as escolhas feitas. Afinal, nessa visão distorcida, se não fossem tutelados, eles seriam incapazes de fazer mais e melhor por seus filhos.
O absurdo dessa visão aparece em diversas pesquisas robustas em diversos países. As escolhas das famílias, inclusive das mais pobres, garantem seus objetivos de diminuir o absenteísmo, aumentar a taxa de conclusão do Ensino Médio, promover a integração étnico-racial nas escolas, estimular a tolerância política e o engajamento com valores cívicos. É o que traz, por exemplo, um estudo feito em Washington: os filhos de famílias pobres evadem menos quando é possível usar em uma escola privada de sua escolha, os recursos públicos que lhes cabem. Um estudo ao longo de 20 anos mostra que para jovens pobres em Bogotá, tal possibilidade resultou em menos gravidez na adolescência, mais emprego e melhor renda. Outro exemplo traz evidências da relação entre poder escolher uma escola e a redução na criminalidade juvenil em Milwaukee.
Há um consenso robusto quanto à escola ideal, que deve atender alunos de diferentes origens sociais, raciais e religiosas.
Não temos programas de escolha de escola no Brasil, mas já temos uma ideia do que querem os pais e mães brasileiros. Uma pesquisa feita pelo Instituto Livre pra Escolher (LPE) em parceria com a iDados, entre os meses de dezembro de 2022 e janeiro de 2023, com mais de 1,8 mil pais e mães em todo o Brasil, buscou entender os desejos deles sobre a educação dos filhos em relação aos objetivos que gostariam que eles alcançassem ao longo de sua trajetória escolar visando o sucesso futuro. Trouxe também as características de uma escola ideal para seus filhos.
Confirmando dados já existentes sobre pais e mães em outros países, fica claro a partir desse estudo que, independentemente do nível socioeconômico, os brasileiros fariam as mesmas escolhas caso tivessem a oportunidade de escolher. Essa informação refuta o argumento de que as políticas de liberdade de escolha educacional não são adequadas para o contexto brasileiro por termos uma população pobre e não escolarizada.
Não temos programas de escolha de escola no Brasil, mas já temos uma ideia do que querem os pais e mães brasileiros.
O estudo mostra que as famílias socioeconomicamente menos privilegiadas são tão ambiciosas quanto as mais privilegiadas. Estão entre os objetivos mais desejados por ambos os grupos de pais e mães, que seus filhos aprendam bons hábitos de estudo e que desejem aprender sempre mais. Ambos os grupos querem que a escola prepare seus filhos para acessar uma universidade. A ausência de um currículo ambicioso e tecnicamente embasado no Brasil não é uma escolha dos pais e mães, e sim, daqueles responsáveis por políticas públicas educacionais. São eles, e não os pais e mães, que optam por não seguir as boas práticas dos países de excelência educacional.
Outra semelhança entre os dois grupos é a visão de que a escola ideal deve contribuir para a formação de caráter, ética e/ou moral dos alunos. Essa foi uma escolha feita por 53% dos entrevistados de nível socioeconômico baixo e por 50,8% de nível alto. Aliás, uma evidência de que pais e mães nem sempre estão de acordo com os especialistas que decidem por eles, é que “Desenvolver um código moral de conduta” é um objetivo mais valorizado do que “Aprender a valorizar a natureza” – tema muito mais prevalente na Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
Embora crianças pobres precisem de mais suporte e resiliência para superar preconceitos e limitações contextuais, seus pais entendem que cabe a eles – os filhos – o protagonismo no processo de avanço educacional.
Ainda que sem a parceria da família, dificilmente a escola conseguirá garantir o ensino da educação moral, do respeito, do fortalecimento de caráter e da disciplina, o fato indiscutível é que pais e mães valorizam esses ensinamentos e entendem que o futuro dos seus filhos depende do quanto esse aprendizado se dá enquanto eles estão em idade escolar. Nesse contexto, destaca-se principalmente o bom clima escolar – seguro, acolhedor, respeitoso e ordeiro.
Concluir que quem mora em comunidades pobres, muitas vezes violentas, já normalizou o caos, inclusive nas escolas, é, mais uma vez, ser movido por racismo educacional. Esses pais e mães sabem que os seus filhos não vão conseguir aprender em uma escola onde se sentem ameaçados e onde o professor sequer consegue falar. Mesmo não escolarizados, eles sabem o que evidências científicas comprovam: um bom clima escolar tem impacto extremamente relevante nos objetivos citados acima, assim como no nível de aprendizagem dos conteúdos escolares e na prevenção do absenteísmo e da evasão escolar.
Importante destacar que, embora crianças pobres precisem de mais suporte e resiliência para superar preconceitos e limitações contextuais, seus pais entendem que cabe a eles – os filhos – o protagonismo no processo de avanço educacional. Tal percepção aparece na pesquisa quando pais e mães de NSE baixo dizem que o sucesso dos seus filhos depende mais da assiduidade e do esforço deles do que da qualidade da escola – uma postura bastante distante do vitimismo apregoado por elites que se propõem a falar por essas pessoas.
Na verdade, a perspectiva ideológica, divisiva, frequentemente presente em abordagens neo-marxistas, supostamente pedagógicas, de uma sociedade binária em que, para sobreviver, um grupo precisa vencer o outro, não é compartilhada por pais e mães, qualquer que seja o nível socioeconômico. Há um consenso robusto quanto à escola ideal, que deve atender alunos de diferentes origens sociais, raciais e religiosas. Da mesma forma, concordam quanto ao objetivo de que seus filhos tenham com essas pessoas, relações de empatia, respeito e cooperação. Ainda que reconheçam a existência do preconceito contra pobres, o racismo e a intolerância religiosa, pais e mães de todos os níveis socioeconômicos querem – igualmente – que seus filhos construam e vivam em um mundo melhor. É preciso deixá-los escolher.
Anamaria Camargo é mestre em Educação pela Universidade de Hull, consultora e ativista em prol de políticas educacionais liberais, e presidente e diretora-executiva do Instituto Livre pra Escolher.
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