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Impostos em cascata sobre a cadeia produtiva fazem com que indústria seja o segmento com maior carga tributária no país
| Foto: Gelson Bampi/Sistema Fiep

Diversos estudiosos, ao longo dos séculos 19 e 20, apontaram princípios e iniciativas e sistematizaram indicadores e metodologias para o desenvolvimento econômico pautado nas potencialidades locais, o chamado desenvolvimento endógeno. Este paradigma sugere como olhar para seu país – ou seu território dentro do país – e, com uma boa análise, identificar por onde e como estimular o crescimento econômico e promover o desenvolvimento sustentável.

Mais recentemente, Ricardo Hausmann, da Harvard University, e César Hidalgo, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), lançaram o Atlas da Complexidade Econômica, onde identificam – com dados concretos, obtidos a partir das exportações de mais de setecentos produtos realizadas por mais de duzentos países – o papel determinante dos produtos e serviços complexos na construção de economias dinâmicas, com oportunidades e empregos bem-remunerados.

A pandemia global da Covid-19 – que já causou mais de meio milhão de mortes, pelas quais o Brasil responde por mais de 10%, com consequências funestas para a economia mundial – escancarou a nossa dependência de outros países para o suprimento de produtos hospitalares básicos, desde máscaras e medicamentos até respiradores mecânicos de UTIs. Estes produtos ganharam evidência com a disseminação do coronavírus, tornando-se os mais demandados. No entanto, se formos analisar a cadeia de produtos hospitalares, bem como muitas outras cadeias de suprimentos, constataremos que há milhares de produtos industriais que o Brasil não produz ou deixou de produzir. Somos, portanto, dependentes de importações.

Mas, a gravidade da pandemia e a falta de capacidade de entrega imediata pelos países produtores nos obrigaram a refletir sobre como podemos suprir nossas necessidades imediatas, sobretudo em situações de emergência, como a atual. Empresas de confecção, do setor têxtil e moda, mostraram ter condições de adaptabilidade e passaram a produzir máscaras, tornando evidente que a produção de máscaras não exige tecnologia sofisticada, embora importemos mais de 90% de nosso consumo.

Respiradores mecânicos, que se tornaram os símbolos da nossa dependência industrial na crise pandêmica, rapidamente foram desenvolvidos e viabilizam projetos para obtenção de fundos de incentivos. Para ficar em apenas dois exemplos paranaenses: em Marechal Cândido Randon, uma empresa fornecedora de peças para ônibus viabilizou em poucos dias um protótipo de respirador que já está sendo incentivado por associações empresariais e universidade; em Ponta Grossa, um motor de limpador de para-brisas para caminhões, produzido por uma indústria local, viabilizou outro modelo de respirador.

Universidades públicas desenvolveram rapidamente soluções criativas e despertaram para um dos seus papéis mais nobres, que é dialogar com as necessidades empresariais e da população. Mais do que nunca, precisamos que as universidades mobilizem os melhores cérebros para suprir com ideias e modelos – isto é, com inovação – a sociedade em suas múltiplas necessidades e dependências. Como se diz no linguajar do desenvolvimento, suprir os gargalos produtivos.

Este momento rico no despertar da criatividade, forjado a ferro e fogo em plena pandemia, quando nossos calos estão apertando como nunca, não pode ser desperdiçado. Em meio às apreensões do presente, é oportuno fazermos uma reflexão sobre a necessidade inadiável de reformulação e retomada de um projeto de desenvolvimento econômico endógeno, que valorize as nossas potencialidades. O ponto de partida deve ser o empreendedorismo local. Afinal, quais produtos ou serviços o mercado e a sociedade demandam que posso suprir desde meu território? Assim procedem os países e territórios que encontram a senda do desenvolvimento.

Quando, ao final dos anos 70, Deng Xiaoping estabeleceu o Programa das Quatro Modernizações, a China fez exatamente isto: mapeou as suas cadeias produtivas ao nível do detalhe; identificou as demandas mundiais nas diferentes áreas e setores; capacitou a sua gente; modernizou a sua incipiente infraestrutura e; adaptou a sua emergente indústria para, nas quatro décadas seguintes, realizar o salto tecnológico mais extraordinário na história da humanidade. Hoje, a China avança a passos largos para consolidar-se como a maior economia do mundo.

Outros países asiáticos, como Taiwan, Coréia do Sul, Vietnam, Malásia e Singapura, seguiram trilhas semelhantes, respeitando suas especificidades. Nos países europeus, não tem sido diferente. Embora por processos distintos, com fortes participações de empresários e entidades empresariais, áreas de ensino, pesquisa, ciência e tecnologia que se encontram organizados em sistemas de inovação e de desenvolvimento territorial, Alemanha, França, Reino Unido, Itália, Espanha, Áustria e Suíça possuem complexidade produtiva industrial porque pactuam e cumprem planos territoriais e nacionais. Não se adquire este status sem envolvimento, estudo, plano, políticas públicas, dedicação e muito trabalho.

No Paraná, dois exemplos constatáveis: no Oeste, o programa Oeste em Desenvolvimento - que tive o prazer de fomentar e participar - dá mostras de como uma comunidade territorial pode dialogar e estabelecer consensos a partir do diagnóstico econômico e valorando suas principais cadeias produtivas, tendo como principal estímulo as possibilidades de inovação. O outro exemplo é o setor cooperativista, que baseado em planejamento estratégico batizado de PRC100 – Plano Paraná Cooperativo, edificado em 2015, projetou ações para dobrar a sua movimentação econômica que na época era de R$ 50 bilhões. Em apenas cinco anos atingirá a expressiva marca de R$ 100 bilhões de faturamento em 2020, mesmo enfrentando crises econômicas e diante da crise pandêmica.

O Paraná tem tudo para seguir este caminho: uma economia razoavelmente diversificada, instituições de representação ativas e participantes, universidades públicas capilarizadas, tradição de cooperativismo e associativismo, sociedade civil organizada, entre outros fatores. Necessita, no entanto, incorporar este capital social nas estruturas de governo e constituir, de forma participativa, uma política estadual de desenvolvimento coerente e articulada. Sempre há tempo.

Dirão alguns que não temos condições, que perdemos o timing, ou que nossos custos de produção são impeditivos. Mentira! Tudo isso se ajeita, se arruma, se houver diálogo, pactuação, plano e comprometimento. A pandemia tem sido um teste de resiliência e tem mostrado que podemos muito mais do que já fazemos. Que esta janela de luz momentânea seja percebida e aproveitada pelas nossas lideranças institucionais e se converta em ações de política de Estado. Que a industrialização, pautada em potencialidades e capacidades de nossos territórios, vingue e faça do Paraná muito mais do que o já próspero agronegócio tem propiciado. O Paraná, nesse tema, pode ajudar a apontar caminhos para o Brasil.

Herlon Goelzer de Almeida, engenheiro agrônomo, especialista em Desenvolvimento Territorial e Energias Renováveis, atua no IDR Paraná Iapar-Emater.

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