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 | Rovena Rosa/Agência Brasil
| Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Aprendi na escola que o Brasil foi uma colônia de degredo e exploração. Nenhuma discussão sobre a profundidade destas duas palavrinhas, que dirá o alcance de seus tentáculos. Penso que a velha forma colonial ainda é usada para moldar a mentalidade contemporânea.

O conceito do desterro se potencializa de forma “nitroglicerínica” se aliado ao segundo, que regeu séculos de nossa existência: “colônia de exploração”. Neste caso não há preocupação com a terra colonizada, muito menos com a formação cultural de seu povo, meros instrumentos de extração das riquezas, condenados à pobreza. Não há (e talvez não deva haver) memória de si.

Memória, a pedra angular. Ela e a consciência de si nos conferem identidade. Elas exigem cuidado, respeito e perpetuação. Sem elas o eixo em torno do qual giramos se perde.

A herança de nosso começo, o capítulo eternamente colonial, deve ser repensado, digerido e transformado

Neste momento grave e trágico de nossa história, entendo que a herança de nosso começo, o capítulo eternamente colonial, deve ser repensado, digerido e transformado se quisermos sair desta fase, na qual, incorporados os ingredientes nefastos do Brasil Colônia, nós os perpetuamos como um moto contínuo. Desconhecimento e descaso com a própria memória. Pedra angular do quê, mesmo?

O que tem isso a ver com a perda irreparável do Museu Nacional? Museu é memória. O reconhecimento do passado, a possibilidade de seu estudo crítico para a construção de um presente mais digno, a formação de uma identidade para além da mentalidade do desterro e da exploração, esta é uma das grandes vocações de museus e bibliotecas: gerar e nutrir consciência, possibilitar desenvolvimentos para além do material.

Um desastre como o incêndio do Museu Nacional não se improvisa. Existe um acúmulo de fatores, assim como houve nos outros casos: em 1978, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro; em 2010, no Butantã e no Memorial da América Latina. O Museu da Língua Portuguesa queimou em 2015; a Cinemateca Brasileira, em 2016. Lembrando que 2018 começou com o incêndio na Biblioteca da Universidade Federal de Pernambuco, e parece que o fogo vai se alastrar. De acordo com o jornal Último Segundo, em 2012 o Corpo de Bombeiros fez vistoria na Biblioteca Nacional, com sede no Rio de Janeiro, e apontou alto risco de incêndio, o que coloca também em perigo a vida de seus funcionários. Até agora, nada! A Escola de Belas Artes, também no Rio de Janeiro, padece do mesmo mal. Os lugares onde a memória nacional e mundial se ancora estão sendo destruídos. Memória desterrada. Antídoto? O descobrimento!

Leia também: Luz em meio às chamas (artigo de Adriano Paranaiba e Fernando Monteiro D’Andrea, publicado em 17 de setembro de 2018)

Leia também: O retrato do descaso (editorial de 3 de setembro de 2018)

Precisamos nos descobrir, proteger nosso patrimônio, denunciar o descaso. O que acontece com o gestor quando ele recebe 2 milhões de denúncias perenes sobre o prédio que ele administra? É vital que entendamos o valor do nosso patrimônio material, imaterial, e diverso como nenhum outro país neste mundo!

O Brasil não foi descoberto, pelo simples fato de nunca ter estado encoberto antes. Ele era habitado por outras civilizações, cuja memória também foi queimada. Virou balcão de negócios de seres humanos, natureza, recursos e memórias.

O que precisa urgentemente de descobrimento é um povo para além de exclusões e explorações centenárias e que se construa, enfim, como nação. Precisamos de novas formas, já que nossos bolos de civilização estão a sair queimados dos fornos de nossa dita contemporaneidade.

Adriana Kortland é psicóloga clínica e autora de “ A Casa da Vida”.
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