É possível falar em um efetivo processo de desenvolvimento de um país em que a maior de sua população vive em condições de pobreza ou está à margem dos ganhos de bem-estar gerados pelo crescimento econômico? A cada dia parece mais evidente a impossibilidade de falar em desenvolvimento com exclusão. Reduzir a desigualdade, sobretudo em sociedades com alta concentração da renda, e promover a queda nos níveis de pobreza absoluta são elementos centrais para desenvolvimento de uma nação. Afinal de contas de que vale um elevado crescimento econômico se os frutos deste processo são retidos por uma ínfima parcela da população?

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Historicamente, a ampliação das desigualdades foi uma das características mais marcantes da evolução econômica brasileira. Entre 1930 e 1980 a taxa média de crescimento do PIB brasileiro foi da ordem de 7% ao ano, uma das maiores taxas de crescimento mundial. Durante o chamado "milagre" econômico (entre 1967 e 1973) o PIB cresceu a uma taxa média de 11% ao ano. No entanto, esse intenso crescimento foi marcado pela elevação na concentração da renda e nos níveis de extrema pobreza.

Alguns dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sobre o tema merecem uma reflexão. Em 1990, 25,6% dos brasileiros tinham renda domiciliar per capita abaixo da linha de pobreza internacional de US$ 1,25/dia. Essa é uma área na qual o país avançou ao longo das últimas décadas. Basta dizer que em 2009, o porcentual da população vivendo abaixo da linha pobreza atingiu 4,8%, nível ainda elevado, mas uma situação muito melhor do que a observada há pouco mais de duas décadas.

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Os avanços na redução da pobreza devem ser imputados a um amplo conjunto de fatores. A estabilidade econômica, a retomada do crescimento e a ampliação dos programas de assistência social do governo federal, com destaque para o Programa Bolsa Família são certamente fatores que contribuíram para este processo.

Os avanços na distribuição da renda são muito mais lentos e modestos. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), a participação na renda dos 20% mais ricos caiu de 65,2% em 1990 para 58,9% em 2008. Apesar desta redução, esses dados confirmam a persistência de uma elevada concentração da renda na economia brasileira.

A queda na participação dos mais ricos não ampliou substancialmente a participação dos estratos mais pobres. No mesmo período, os 20% mais pobres ampliaram sua participação de 2,2% para 3,1% da renda, um acréscimo apenas marginal. A transferência da renda dos mais ricos deu-se especialmente para o extrato intermediário, que elevou sua participação de 32,6% para 38% da renda nacional no mesmo período.

A melhora da distribuição da renda é importante não apenas de uma perspectiva ética ou moral. Esses avanços são importantes também do ponto de vista estritamente econômico. Ao transferir renda para estratos mais pobres da população, amplia-se no agregado a propensão marginal a consumir, elemento importante para elevar o efeito multiplicador dos gastos e manter níveis adequados de demanda agregada. A crise financeira de 2008 e os recentes abalos do sistema financeiro internacional são evidências da relevância dessa ampliação do mercado consumidor – fruto, entre outros aspectos, dos avanços na distribuição e na redução da pobreza – para atravessar períodos turbulência. A ampliação do mercado permite elevar as escalas de produção, com ganhos não desprezíveis para os custos das firmas.

A experiência brasileira recente demonstra, portanto, que reduções na pobreza extrema são mais facilmente alcançadas do que melhoras na distribuição da renda. Uma explicação para esse fenômeno é que avanços substantivos na distribuição dependem de medidas complexas e com grande resistência, particularmente das elites econômicas. No caso brasileiro, é muito difícil acreditar numa alteração relevante no padrão de distribuição sem a promoção de uma profunda reforma no sistema tributário que seja pautada pela ampliação da tributação direta (sobre a renda e o patrimônio) e a redução dos tributos indiretos (sobre a produção e o consumo). Reformas desta natureza, no entanto, não se encontram, infelizmente, na pauta das discussões políticas e econômicas do país. Incorporá-las será um passo importante para avançar na melhoria da distribuição da renda e consolidar no longo prazo o processo de desenvolvimento.

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Marcelo Curado, economista, professor associado da Universidade Federal do Paraná, é pesquisador do Programa "Cátedras para o Desenvolvimento" do Ipea.