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Desinformação e preconceito contra o Islã

(Foto: jpeter2/Pixabay)

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Em resposta ao artigo “A incompatibilidade do Islamismo com a civilização ocidental”, de autoria de Orlando Tambosi, publicado na Gazeta do Povo em 11 de novembro, a comunidade islâmica vem informar e esclarecer aos leitores que as ideias trazidas pelo autor do artigo são arcaicas, deturpadas e ofensivas, trazendo em seu bojo uma clara intenção de “repelir” o Islã como crença religiosa e colaborando para que mais desinformação e sentimentos de ódio aumentem contra seus seguidores.

Inicialmente, cumpre-nos destacar que, ao contrário do que muitos acreditam, o Islã não é uma seita constituída por fanáticos ou instigadores do terrorismo, ou que estimule qualquer outro tipo de conflito, mas sim uma religião que prega o amor, a paz, o respeito à vida e às liberdades individuais, tendo como princípios islâmicos o respeito ao Estado, à propriedade e, principalmente, à ordem, à moral e à justiça. É com base nesses princípios que a vida de todo muçulmano é guiada.

No entanto, percebe-se que o autor limitou-se a somente um tipo de fonte, a que busca propagar medo e intolerância, sem qualquer compromisso com a verdade dos fatos, sejam eles históricos, culturais ou sociológicos, conforme se verifica no segundo parágrafo do artigo, no qual o autor expõe suas fontes de “embasamento”. Vejamos:

Alguns estudiosos corroboram essas assertivas. Atenho-me a três deles: o historiador Bernard Lewis, profundo conhecedor das questões do Oriente Médio e do mundo árabe, que, livro a livro, analisa as raízes históricas doressentimento muçulmano em relação ao “mundo infiel”; Ayaan Hirsi Ali, que escreveu vários livros críticos sobre sua religião, viveu na pele a rigidez islâmica e é crítica feroz e consistente do Islamismo, além de atacar a doutrina politicamente correta dos governos ocidentais, que se recusam a ver na religião a matriz de grupos terroristas como Al-Qaeda e Estado Islâmico; e o filósofo Roger Scruton, que conclama os ocidentais à defesa de seus valores liberais, democráticos e éticos e a resistir duramente aos ataques contra o Ocidente. (destaques nossos)

Percebe-se, ainda, que em nenhum momento o autor do artigo respalda seus argumentos utilizando o Alcorão Sagrado ou a Sunnah (tradição profética), ou seja, um artigo desprovido de qualquer fonte verdadeiramente islâmica e confiável, tornando-se assim ainda mais nítido que seus conceitos são deturpados e não retratam a realidade dos fatos, uma vez que generalizam e demonizam ações de muçulmanos, propagando a intolerância, o medo e a desinformação.

Dessa feita, antes que se alegue sobre eventuais atos terroristas praticados por quem alegue ser muçulmano, qualquer responsabilização de tais atos a uma religião, ao Islã, se torna uma acusação arbitrária, que generaliza e coloca mais de 1 bilhão de seres humanos que professam essa religião dentro de um mesmo “pacote”, de uma mesma categoria, quando na verdade existem no mundo e em qualquer religião aqueles que interpretam não só o Alcorão, mas também os outros Livros Sagrados de modo errôneo, o que por si só já é condenável pelo próprio Islã, que se manifesta definitivamente contrário às ações de cunho terrorista.

A comunidade islâmica luta diariamente para combater estereótipos e textos que distorcem o Islã como religião e como credo, na maioria das vezes escritos por pessoas que têm um conhecimento limitado sobre o assunto, ou propagando segundas intenções em tais textos. Textos que, em vez de trazerem esclarecimentos, acabam por estimular ainda mais o ódio e a ignorância, o que por sua vez estimula ainda mais o preconceito.

O autor afirma no texto original que “O Islamismo encarna a negação dos princípios e valores ocidentais, cultivando um ressentimento que, com frequência, conduz ao terrorismo”. Essa afirmação mostra uma clara rejeição, discriminação e condenação de uma religião em favor dos valores ocidentais, bem como uma explícita rejeição de uma religião, impondo uma hegemonia de valores que abre caminho à desigualdade, ao desrespeito e a uma relação de superioridade de valores de uma cultura ou credo sobre a outra. A sensação que o texto passa ao leitor é de que o Islã deveria ser extinto porque ele “não combina” com o Ocidente e, portanto, tudo o mais que não combinar com os valores ocidentais deve ser extirpado.

A sociedade precisa parar de tentar impor essa “hegemonia” do que é certo ou errado, como se os únicos valores corretos no mundo fossem os valores ocidentais, silenciando toda a outra metade do mundo, deixando de reconhecer saberes de outras religiões que não se reduzem somente à visão ocidental de bom ou mau, de certo ou errado, de violência e não violência, de liberdade e de não liberdade. É exatamente esse tipo de ação que gera marginalizações, silenciamentos e exclusões de grupos. Enquanto tivermos uma visão do outro e dos direitos do outro baseada em uma visão que privilegia somente os valores ocidentais, isso aumentará ainda mais os sentimentos de ódio e a exclusão de indivíduos e comunidades que professam determinada crença, o que, consequentemente, elevará o preconceito, a discriminação e sentimentos de indignidade e de injustiça.

Como disse Hannah Arendt, infelizmente a incapacidade de pensar é o que permitiu que se cometessem atos cruéis no mundo. O Ocidente praticou e continua praticando muitas violências que nem sempre são explícitas e visíveis, mas que provocam injustiças, as quais começam justamente com textos como esse, que disseminam ideias parciais, deturpadas e impositivas, que sempre apontam o defeito e a problemática do outro, dando a falsa sensação de que no mundo ocidental não se pratica, nem jamais se praticou atrocidades, assassinatos e crueldade contra outros povos, tanto em seu presente quanto no seu passado.

Do mesmo modo, quando em outras ocasiões o terrorismo esteve presente em religiões consideradas “cristãs” ou “ocidentais”, o cristianismo, como religião, não fora condenado como religião incompatível com os princípios ocidentais, mas como algo independente das ações isoladas de tais grupos. E por que, então, com o Islã isso é tratado de forma diferente?

E com isso fica também a pergunta: será mesmo que existe uma imposição do Islã sobre o Ocidente, ou será que o próprio Ocidente que vem buscando, insistentemente, impor seus valores sobre o Islã? Tal questionamento se dá pela sugestão do autor em “reformar o Islã” para que os valores ocidentais não sejam perdidos;, todavia, com a simples leitura de um único versículo do Alcorão Sagrado, toda a teoria apresentada pelo autor cai por terra. Vejamos:

Não há qualquer imposição quanto à religião, porque já se destacou a verdade do erro. Quem renegar o sedutor e crer em Deus, ter-se-á apegado a um firme e inquebrantável sustentáculo, porque Deus é Oniouvinte, Sapientíssimo.(Surata 2, v. 256)

O Alcorão Sagrado é claro: as normas islâmicas não questionam qualquer indivíduo por causa de suas crenças ou prática religiosa, e a regra no Islã é “não há imposição quanto à religião”, cuja interpretação é claramente a orientação de que nenhum seguidor do Islã pratique a imposição da religião, seja ela da forma que for. Logo, é preciso ter mais cuidado ao dirigir o texto aos indivíduos que praticam atrocidades, e não à religião.

Se há um atributo exclusivo que o nosso mundo tem é a diversidade de culturas e crenças. Portanto, qualquer sistema que afirme a universalidade deve ter tolerância para com outras práticas culturais e religiosas como um princípio não negociável. Seria desastroso para a humanidade se os maiores poderes políticos e militares influentes do mundo continuassem a sua guerra de depreciação e propaganda contra o Islã, além de ser um contrassenso por parte do Ocidente, que tanto propaga os tais “valores politicamente corretos”.

Logo, para melhor conhecer o que é considerado diferente, é necessário deixar de lado os preconceitos e os estereótipos criados pela ausência de informação cultural e enriquecer o intelecto por meio de uma leitura e interpretação mais apuradas e menos literalistas do Alcorão Sagrado, bem como de pesquisas e leituras sobre o assunto, para que possamos construir um mundo mais justo e humano.

Assalamu Alaikum – que a paz de Deus esteja com todos!

Sheikh Jihad Hassan Hammadeh é teólogo com formação em Teologia e Jurisprudência Islâmicas pela Madina Islamic University (Arábia Saudita), presidente do Centro Árabe-Latino de Cultura e Estudos Estratégicos (Calcee), presidente do Instituto Cinco Pilares (ICP), vice-presidente da União Nacional das Entidades Islâmicas (UNI), membro do Conselho Superior dos Teólogos e Assuntos Islâmicos do Brasil e conselheiro religioso da Associação Nacional de Juristas Islâmicos (Anaji).

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