Não há dúvida de que a tecnologia é uma coisa maravilhosa quando facilita ou melhora nossa vida. Como não tenho nenhum prurido nostálgico, melhor ainda. Algumas maravilhas demoraram inexplicavelmente para chegar, como os bilhetes eletrônicos nas viagens, uma idéia óbvia. Ou os identificadores de chamada telefônica que durante vários anos não eram vendidos livremente. Para saber quem havia ligado para você, era preciso ter uma autorização especial da Telepar. Depois que o serviço perdeu seu caráter de segredo de Estado, todos ganharam; ou pelo menos devem ter se livrado de bilhões de ligações indesejáveis.
Mas, convenhamos, estamos sendo cada dia mais assediados por inovações cuja contribuição para melhorar nossa vida é nula. Exemplo? Antigamente você ligava para um número. Se ele estivesse ocupado, o telefone fazia tóin, tóin, tóin. Você desligava e tentava mais tarde. Agora é mais moderno: o sujeito tenta a ligação e ouve uma mensagem gravada: "a fulana (operadora) informa que o telefone chamado se encontra ocupado. Por favor, tente novamente mais tarde". Que utilidade teve essa inovação? Nenhuma, pois o telefone ocupado (que antes fazia tóin, tóin, tóin) continua ocupado. A operadora não se propõe a continuar tentando para você até que a linha esteja livre. Nada disso. Ela apenas substituiu o tóin, tóin, tóin pela voz sedosa de uma locutora.
Computadores são vítimas habituais dessa praga da tecnologia inútil. Existe um paradoxo pois antes, quando as memórias e as velocidades eram menores, o sujeito ligava o computador e segundos depois a máquina estava em condições de uso. Agora, com memórias gigantescas, e de nomes estranhos, como terabytes, e processadores cada vez mais sofisticados, há uma espera interminável até que todos os programas sejam ativados e checados. Outro dia entendi porque: o programa de minha prosaica impressora tem 448 mega-alguma coisa. Uma exorbitância. A razão? Porque o programa de imprimir vem acoplado com um programa de edição de imagens que transforma rostos soturnos em rostos alegres, embeleza os feios, retira aquele ar de obtusidade com que a natureza nos dotou, faz misérias... Só que misérias de que eu não preciso pois quero apenas que a impressora faça eficientemente aquilo que o Conselheiro Acácio esperaria dela: imprimir. Agora, tente eliminar o tal programa e aparecerá uma mensagem assustadora, alertando que a sua eliminação, veja bem, é capaz de fazer com que outros programas não funcionem corretamente. Como nossa atitude face ao computador é reverencial, essa ameaça é capaz de dissuadir até os mais corajosos.
Alguns "auxílios" que a tecnologia nos oferece são simplesmente irritantes. A Microsoft inventou no Word um ícone de um "assistente" que aparece inopinadamente na tela quando você tenta fazer alguma coisa: uma imagem de um clipe de papel com dois olhos esbugalhados que lhe pergunta: "Vejo que você está tentando escrever uma carta. Posso ajudá-lo?". Para ser perfeita, a tal tecnologia deveria prever algumas respostas como: "Não agora. Mais tarde, quem sabe", ou "Obrigado, mas aprendi a escrever cartas há muito tempo e nunca elas foram devolvidas por não terem sido entendidas". Ou ainda secas e diretas: "Não. Me deixe em paz. Não torre a minha paciência" .
Quando a tecnologia falha em complicar a vida das pessoas, as pessoas se encarregam elas mesmas disso. É o caso da tal unificação da língua portuguesa, outra inovação absolutamente dispensável. Coitados dos vestibulandos que vão ter de desaprender o português que aprenderam durante anos para evitar cair nas armadilhas de uma correção marota dos acentos de diferenciação e coisas do gênero. A vida de milhões de pessoas vai ser perturbada pela invenção de alguns filólogos que acreditam ser indispensável que todos os países lusófonos escrevam exatamente de acordo com as mesmas regras. Curioso é que até pouco tempo atrás, nem Portugal, que é a pátria-mãe da Língua Portuguesa havia cumprido as exigências para colocar o acordo em prática: só o Brasil.
De minha parte, preferiria que os doutos filólogos me deixassem em paz com a ortografia e que, no máximo, me ajudassem a entender que quando um português me oferecer uma propina, não devo ficar ofendido, pois o que ele pretende me pagar é uma mensalidade. Ou que quando me perguntar da canalha da minha família, eu entenda que ele está falando das crianças e que quando ele disser que vai à retreta não devo acompanhá-lo porque gosto de música pois está me comunicando que vai ao banheiro. Para o nascido em Portugal, não falamos português, falamos "brasileiro". Mas quando duas pessoas querem se entender, não há tecnologia nem língua que os separe. Sempre haverá alguém para observar como fez simpaticamente uma portuguesa conversando com Elizabeth: "estou a entender tudo que a senhora está a dizer. Afinal, o brasileiro se parece muitíssimo com o português!"
Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Doutorado em Administração da PUCPR.