Não contente com a contribuição que deu à desindustrialização precoce, a fúria arrecadadora ameaça colocar ponto final em mais um episódio prematuro de internacionalização das empresas brasileiras.
O episódio anterior, envolvendo a Interbrás, a proliferação de agências do Banco do Brasil, do finado Banespa e da Petrobras, prosperou na era Geisel e acabou vítima da crise da dívida a partir de 1982. Uma das consequências foi a liquidação do ciclo dos grandes projetos de infraestrutura simbolizados por Itaipu e Tucuruí.
Antes do desastre, o setor público investia 6% do PIB em infraestrutura. Essa idade de ouro terminou para sempre quando o investimento desabou para menos de 2%. O encolhimento deixou enorme capacidade ociosa em construção que teve de se expatriar para não morrer.
Ajudadas pelos créditos do BNDES, duas ou três companhias de excelência no ramo da construção provaram ser capazes de vencer no competitivo mercado mundial de grandes obras. Mais tarde, a duras penas, lograram repetir a proeza algumas poucas empresas de excelência tecnológica das quais a Embraer é expressão emblemática, seguidas pelos exportadores de produtos oriundos de recursos naturais: minérios, grãos, carnes, cosméticos.
O êxito desses exemplos de internacionalização é notável por ter sido alcançado contra todas as chances. Na experiência mundial, as firmas que se tornaram multinacionais foram impulsionadas por longos períodos de crescimento acelerado de seus países, caso do Japão, da Coreia do Sul e agora da China. No Brasil, é o contrário: o baixo crescimento, a crise econômica é que forçaram a internacionalização.
Na origem do fenômeno, a Inglaterra vitoriana, a acumulação de superávits crescentes no balanço de pagamentos gerou os excedentes de capital que possibilitaram os investimentos externos britânicos, suplantados depois de 1914 pelos EUA e hoje da China. Nesse particular, o Brasil também é anomalia, pois sofre de problema crônico no balanço de pagamentos e de carência de poupança e capital doméstico.
As multinacionais brasileiras vinham sendo pressionadas de três lados: baixo crescimento, alto custo de capital e assustador aumento do déficit em conta corrente. A isso se somavam inflação crescente, ameaça de rebaixamento de crédito, taxa de câmbio errática. Pelo menos uma multinacional que se tornara brasileira, fugindo da Argentina, decidiu virar americana para melhorar seu custo de capital e escapar do risco Brasil.
Ora, é nesse momento que o governo resolve aprovar a MP 627 criando alíquota de 35% sobre lucros no exterior de empresas que enfrentam já concorrentes favorecidas em todos esses quesitos! Trata-se do mesmo governo que, através do BNDES, até ontem estimulava a criação de "campeões nacionais" justamente para competir lá fora.
Não há escolha: como a escala da competição é hoje global, não nacional, quem não se globaliza, acaba comprado, como ocorreu com a Metal Leve, a Cofap e uma infinidade de antigas estrelas da indústria. Ao liquidar as multinacionais brasileiras, o governo arrisca estimular a colonização do Brasil pelas multinacionais estrangeiras.
Rubens Ricupero, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) e ministro da Fazenda no governo Itamar Franco.
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