| Foto: Gil Ferreira/SCO/STF
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Há poucos dias, o ilustre jurista Wagner Balera publicou o artigo “Habitantes perenes do manicômio jurídico tributário”, relembrando com emoção o sensacional tributarista Alfredo Augusto Becker, que cunhou o famoso epíteto “manicômio jurídico tributário”, na sua Teoria Geral do Direito Tributário, de 1963, e concluiu o lamento perguntando: até quando vai nossa paciência para esperar uma verdadeira reforma?

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Logo depois, o mestre Daniel da Silva Marques, em Prometeu e o Direito acorrentado, resgatou o medo aprisionante de Hefesto, que, agindo contra sua própria consciência, ajudou a acorrentar o irmão Prometeu, o herói da liberdade e do conhecimento, comparando com a saga dos nossos advogados, acorrentados pela exorbitante demora dos processos judiciais e um volume de 77 milhões de demandas em andamento.

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luiz Fux, em seus pronunciamentos oficiais, também tem falado dos problemas estruturais que sufocam o sistema judicial e a própria suprema corte, destacando as medidas administrativas tentadas para enfrentá-los. No encerramento das atividades do primeiro semestre de 2021, discursando em nome do colegiado, destacou três pontos fundamentais:

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“No primeiro semestre de 2021, o STF julgou colegiadamente um total de 8.384 processos. O plenário, tanto nas sessões síncronas por videoconferência como nas sessões virtuais, julgou 2.647 processos. Por sua vez, a Primeira Turma, em 32 sessões, julgou 3.229 processos; a Segunda Turma, em 41 sessões, julgou 2.514 processos. (...) vivemos um movimento sem precedentes de desmonocratização do Supremo Tribunal Federal, em muito impulsionado pela consolidação da prática de julgamentos no Plenário Virtual, inclusive por meio de sessões extraordinárias. (...) Hoje, com 22.786 processos, o STF tem a menor quantidade de ações em tramitação de nossa história recente. Embora esses números ainda impressionem, sob uma perspectiva internacionalmente comparada, é certo que estamos caminhando, cada vez mais, para uma racionalização de competências que transforma o Supremo Tribunal Federal em uma corte eminentemente constitucional.”

É alvissareiro ver que a suprema corte, do alto de sua sabedoria e excelência, tem reconhecido a existência dos graves problemas no modelo de sua funcionalidade – competência excessiva, destoante número de processos e colegialidade do plenário prejudicada – e tomado medidas para enfrentá-los. É o primeiro passo para aprimoramento sistêmico do Poder Judiciário, mas é necessário muito mais.

A monstruosa quantidade de competência processual que a Constituição reservou ao Supremo é fato incontroverso e dela decorrem os dois outros graves problemas mencionados: o invencível número de processos encaminhados à corte e as tentativas burlescas de resolver via julgamentos monocráticos e divisão do Supremo em duas turmas, estratagemas que ofendem a colegialidade natural e constitucional do tribunal.

Em 2020, o Supremo recebeu 74 mil processos (um disparate na comparação com suas congêneres), proferiu 99 mil decisões, sendo 81 mil monocráticas e 18 mil colegiadas (nas duas turmas e plenário), quantidades incompatíveis para um tribunal de 11 ministros, que precisa decidir com muito mais rapidez centenas de questões nacionais fundamentais, constitucionalidade de leis e conflitos políticos candentes.

Os números são estarrecedores, inviabilizam a eficiência e agilidade esperada do tribunal. A demora em resolver demandas importantes, diminuídas no meio desse mar de processos, mais a insegurança das decisões monocráticas e provisórias, têm dado motivos para críticas da sociedade e alimentado tensões desabonadoras. A lentidão espraia-se por todo o Judiciário e gera um defeito estrutural ruinoso.

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A suprema corte está numa encruzilhada histórica, sabe que o modelo em vigor não está funcionando satisfatoriamente e sabe que precisa mudar. A modernidade, a par do devido processo legal, exige decisões judiciais definitivas muito mais rápidas, segurança jurídica e pacificação social. Se um órgão estatal não está realizando os objetivos para que foi criado, deve ser mudado e aprimorado.

O nosso sistema judicial, com até quatro instâncias de julgamento, assim devido à reserva de julgamento de todas as questões constitucionais pelo Supremo, agasalhando dezenas de recursos no decorrer processual – uma extravagância na comparação com outras democracias –, tornou-se um problema colossal, dispendioso (1,3 % do PIB, maior porcentual do planeta), farto de demoras, pleno de angústias e frustrações.

Com esse tamanho descomunal, destoante na comparação com os demais países, exageradamente verticalizado e doentiamente dependente do Supremo, permite desvãos recursais e espaços para chicanas processuais. O Judiciário, de importância fundamental em todas as democracias, não pode ser patrocinador de burocratismo, abusos recursais e, menos ainda, uma trava ao desenvolvimento social e econômico.

Parafraseando Daniel, acima referenciado, será o Direito capaz de entender os problemas estruturais do Judiciário e lutar para modificar e engrandecer o exercício da justiça? Os incluídos e protegidos na redoma da máquina judicial, beneficiários de uma bondosa zona de conforto, apoiarão mudanças aprimoradoras e partilharão poder, em benefício da sociedade, ou se comportarão como Hefesto, acorrentando o Direito?

Será o Direito capaz de entender os problemas estruturais do Judiciário e lutar para modificar e engrandecer o exercício da justiça?

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A suprema corte, órgão de expressão do Estado e dos valores nacionais, também responsável pelas escolhas dos bons caminhos para a nação, precisa tomar dianteira e iniciar um protagonismo histórico, a) propondo ao parlamento uma racionalização estrutural do Judiciário, cedendo poderes e competências aos tribunais superiores, visando reduzir a conclusão dos processos subjetivos na terceira instância, no máximo; b) mantendo sua fundamental competência de corte constitucional somente pela via concentrada; c) reduzindo drasticamente (para poucas centenas) o número de processos que deve julgar anualmente, focando em questões objetivas de efetivo interesse nacional; e d) regulando detalhadamente, com prazos certos e fiscalizáveis, os casos excepcionais de decisão monocrática e pedidos de vistas.

A doutrina jurídica também tem fundamental incumbência e responsabilidade nessa virada para acabar com a tragédia do Judiciário. Os interesses corporativos devem ceder espaço para o aprimoramento do sistema judicial e realização da eficiência determinada pela Constituição, inclusive até por necessidade de legitimação social do próprio Poder Judiciário e dos importantes segmentos que gravitam em seu entorno. Juristas e estudiosos da área, sob pena de inapagável omissão histórica, têm obrigação de debater continuamente o tema, apresentar críticas e soluções, formando uma opinião pública forte e renovadora. O avanço social e econômico do país depende em muito dessas mudanças.

José Jácomo Gimenes é juiz federal e professor aposentado do Departamento de Direito Privado e Processual da UEM.