Desoneração tarifária por via legislativa, algo controverso desde o enunciado. Na semana passada, a Câmara dos Deputados aprovou a urgência do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 94/22, que visa sustar um reajuste de tarifas de energia no Ceará. Em síntese, o texto previu exatamente essa estipulação: a suspensão dos efeitos da Resolução Homologatória da Aneel que autorizou o mencionado acréscimo para os habitantes do estado. E, com isso, ofereceu uma dose caprichada de perplexidade ao mercado.
Quando o regulador setorial sofre um atropelo dessa natureza, é bastante razoável aguardar que haja protestos de diversas naturezas – adiante explorados –, principalmente pela passividade da Aneel. Pelo seu lado e em sua perspectiva, o autor da proposta convidou os colegas parlamentares para que eles agissem em prol das pessoas, apelando para o discurso de que o reajuste seria o grande indutor da inflação, algo que lhes caberia prevenir. Além da óbvia demagogia eleitoreira comportada na situação, ainda cumpre apontar a violação aos institutos jurídico-regulatórios que regem o assunto.
Ao que se estriba, a fundamentação legal que autorizaria o PDL seria o artigo 49, V, da Constituição Federal. Contudo, as resoluções homologatórias da Aneel, como caracterizadas acima, não se afeiçoam ao caso, o que, na verdade, torna o PDL flagrantemente inconstitucional.A Carta Magna atribui à Aneel tal disposição, conforme o artigo 22, IV. E é claro que não há extrapolação do limite da delegação pelo poder concedente. Os reajustes são elementos previstos dentro das disciplinas do setor elétrico. Então, são constitucionais e cabe à agência reguladora conduzir tais processos.
O quadro técnico da Aneel é primoroso, competente (em ambos os aspectos) e o indulto tarifário articulado na Câmara não lhes poderia imputar esse desprestígio. Com as principais justificativas, desde o aumento dos custos com geração termelétrica em 2021, passando pela pandemia e os custos de crédito – que levaram as distribuidoras a contrair empréstimos para fechar as contas da cadeia institucional –, formataram-se os reajustes, colocados de forma transparente perante a sociedade.
A prosperar, o PDL implicaria no desequilíbrio econômico-financeiro da(s) distribuidora(s), insegurança jurídica, além de fotografar uma imagem muito ruim para novos investimentos, de que os contratos de concessão não são cumpridos se forem “canetados” pelo Legislativo. Assim, espera-se bom senso e que os congressistas tenham a responsabilidade de não aprovar em última instância um elemento tão negativo para o setor elétrico. Justamente quando achávamos ter aprendido todas as lições do populismo tarifário de 2012 (que só gera sobrecustos doravante)... Não foi o caso em tela.
Daniel Steffens é advogado especialista em Direito de Energia, participou de empresas em projetos de geração, transmissão e distribuição e lecionou no módulo de Gestão de Ativos de Energia da Pós-Graduação em Administração da FIA.