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Destinos cruzados

Rússia
Putin quer saída de ex-repúblicas soviéticas da Otan, veto à entrada da Ucrânia e retirada de armas nucleares que EUA armazenam na Europa. (Foto: EFE/EPA/Mikhail Metzel/Sputnik/Kremlin)

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Conquanto separados por meio mundo de distância, os destinos da Ucrânia e de Taiwan tendem a se entrelaçar cada vez mais no tabuleiro geopolítico. A avaliação é de Hal Brands, titular da Cátedra Henry Kissinger da Escola de Estudos Internacionais Avançados (Sais, em Washington, D.C.) da Universidade Johns Hopkins, em recente artigo de sua coluna na Bloomberg Opinion. Brands, autor de vários títulos sobre geopolítica e história militar, acaba de lançar The Twilight Struggle: What the Cold War Teaches Us About Great-Power Rivalry Today.

Em 2014, na sequência de um movimento popular que destituiu o presidente pró-russo da Ucrânia, a Rússia revidou anexando a Crimeia. Uma precária paz foi negociada em 2015, com o Acordo de Minsk, capital de Belarus (antiga República Soviética da Bielo-Rússia), mas isso não impediu que até hoje cerca de 14 mil pessoas tenham morrido em combates na região do Donbass, extremo leste da Ucrânia, onde Moscou continua apoiando forças irregulares anti-Kiev. A escalada russa agora prossegue com o deslocamento de cerca de 100 mil soldados para a fronteira ucraniana e a realização de exercícios militares conjuntos com o exército de Belarus, o que aviva os receios de uma invasão-relâmpago.

Putin manobra para reconstituir a antiga esfera de influência soviética na Europa recorrendo ora à diplomacia, ora a ameaças de uso de força

Fica cada vez mais clara para o mundo a estratégia do presidente russo Vladimir Putin, que manobra para reconstituir a antiga esfera de influência soviética na Europa recorrendo ora à diplomacia, ora a ameaças de uso de força, mais de 30 anos depois do fim da Guerra Fria. Desse modo, Putin não admite que a Ucrânia, outra ex-república soviética situada no “entorno imediato” do território russo, ingresse na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) ou mesmo que se converta em parceiro externo ao bloco, com direito à assistência militar dos Estados Unidos e seus aliados europeus. No front econômico, a adesão ucraniana à União Europeia é outro tabu para o Kremlin.

De sua parte, o presidente da China e secretário-geral do Partido Comunista Chinês, Xi Jinping, dá a entender por palavras e atos (a exemplo das incursões cada vez mais frequentes dos jatos do Exército de Libertação Popular no espaço aéreo taiwanês) que não pretende continuar protelando indefinidamente a anexação de Taiwan ao império do centro.

Brands observa: “Xi compreende que Taiwan é mais importante para os Estados Unidos do que a Ucrânia”, razão pela qual a “administração Joe Biden espera evitar um envolvimento mais profundo na Europa”, já tendo rejeitado “explicitamente a possibilidade de defender a Ucrânia por meios militares”, de modo que seu governo possa “centrar o foco na China” (até agora, a mais grave ameaça com que Washington conta para dissuadir Moscou consiste em excluir a Rússia do sistema SWIFT de pagamentos internacionais).

O colunista da Bloomberg adverte, porém, que na política mundial nenhuma “região pode ser hermeticamente isolada de outras”. E acrescenta: “A maneira pela qual o Ocidente responder a uma invasão russa” à Ucrânia, “caso isso venha a ocorrer, pode fornecer pistas sobre como o mundo democrático responderia à beligerância chinesa. Um colapso da segurança na Europa oriental acarretaria pressões sobre os recursos norte-americanos, o que talvez possibilitasse a Pequim maior espaço de manobra na Ásia”. Ele conclama o governo americano a que se prepare para a eventualidade de uma invasão chinesa a Taiwan, levando em conta as primeiras lições que a crise ucraniana oferece.

A tendência da crise ucraniana será desescalar na direção de algum tipo de toma-lá-dá-cá. Já o futuro de Taiwan me parece bem mais incerto

De saída, ela evidencia as dificuldades de alinhar uma resposta ocidental – e não apenas no terreno militar. Se o cancelamento da Rússia no SWIFT já levanta reticências e preocupações entre as autoridades econômicas de alguns aliados transatlânticos, dá para imaginar quão mais complicado seria aplicar esse tipo de sanção à superpotência chinesa, conectada ao mercado mundial por inúmeros vínculos comerciais e financeiros. Brands sugere a seguinte alternativa: no momento em que a máquina de guerra americana tiver de auxiliar os taiwaneses a repelir um ataque inicial do continente, os Estados Unidos poderão recorrer a sanções “mais ou menos” unilaterais, enquanto costuram uma ampla coalizão econômica de guerra, como, por exemplo, a proibição das exportações de semicondutores mais sofisticados, uma ameaça que já foi apresentada aos russos. De outra parte, a velocidade com que essas crises se desenvolvem ensina que nunca é cedo demais para planejar e ensaiar ações militares conjuntas.

Nesse sentido, Estados Unidos e Japão precisam intensificar seus exercícios militares nas ilhas próximas a Taiwan, possíveis bases para rechaçar a frota chinesa. Por último, mas não menos importante, Hal Brands recomenda o posicionamento de maiores contingentes das forças armadas dos Estados Unidos em território taiwanês. Na minha opinião pessoal, a tendência da crise ucraniana será desescalar na direção de algum tipo de toma-lá-dá-cá, com Putin desistindo da invasão em troca da neutralização militar da Ucrânia (uma “finlandização”). Já o futuro de Taiwan, na mira de uma China cada vez mais disposta a reescrever as regras do sistema internacional à imagem e semelhança de seu regime iliberal e fortemente centralizado, me parece bem mais incerto.

Paulo Kramer é cientista político e especialista da Fundação da Liberdade Econômica.

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