Duas importantes notícias internacionais envolvendo nosso país e duas ocorrências domésticas divulgadas nos últimos dias merecem nossa atenção. Comecemos pelas internacionais. O presidente da República, que com muita intimidade, é chamado de Lula e não de senhor presidente, foi classificado em uma lista que pretende reunir as sessenta pessoas mais influentes do mundo. Os critérios utilizados pela revista Forbes não são exatamente critérios lógicos ou que tenham premissas relacionadas a valores em sentido amplo. Estão na mesma lista, por exemplo, o presidente dos EUA, Barack Obama, o líder terrorista Osama bin Laden, e o venezuelano Hugo Chávez. Logo, se meu nome estivesse nesta lista, com tanta mistura e com o uso de critérios que aceita os que tomam o poder pelo poder, não tenho certeza de que ficaria exatamente orgulhosa da indicação.

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Outra notícia internacional que chamou a atenção saiu no jornal inglês The Economist, que aponta para a forma como o Brasil reagiu à crise internacional e retomou a marcha da economia de maneira mais acelerada do que outros países em seu estágio de desenvolvimento, num contexto de boas expectativas em razão da condição do país de maior produtor mundial de alimentos, além da provável exploração de petróleo na camada conhecida como pré-sal. O veículo, como faz comumente, mostra não apenas um lado da questão, mas vários, e indica também os riscos que podem impedir que o Brasil siga crescendo e se torne em breve uma das maiores potências econômicas do mundo. O texto traz algumas conclusões sobre a falta de qualidade na educação, as contas públicas negativas (e crescentes) e o déficit da previdência, todos temas solenemente deixados de lado pelas autoridades – ainda mais num período pré-eleitoral. O jornal também trata de um ponto menos óbvio, mas sobre o qual tem-se ouvido falar com mais frequência: excesso de confiança. Em outras palavras: a autoestima, sempre muito desejável em níveis adequados, pode se converter num perigo quando em excesso. E o brasileiro está num processo de excesso de autoestima.

Além das notícias internacionais, mencionei no início dois acontecimentos nacionais: o blecaute e a possibilidade de votação no Congresso do que se está chamando de bolsa celular. Sobre o blecaute, ouvi e li nos meios de comunicação as explicações mais estranhas que poderia imaginar: não foi nada sério (acontece até em Nova Iorque, conforme frisou um ministro); foi algo estranhamente maravilhoso, tudo saiu do ar e voltou sozinho (veja só que maravilha, foi o que disse uma autoridade da Itaipu); e, por fim, o diagnóstico climático: foram ventos e raios que a meteorologia (vejam só) não teve como constatar.

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Outra notícia doméstica é a iniciativa de fornecimento de aparelhos celulares para os beneficiários da Bolsa Família e mais um crédito de sete reais por mês, de graça (lembremos que gratuidade não existe e que sempre há alguém pagando). Disse um outro ministro que a proposta não veio do governo (e, aliás, nada tem a ver com o período eleitoral, claro que não!) mas, das empresas de telefonia que encampam o projeto em troca de um isenção no pagamento dos impostos devidos em face da disponibilização da linha e sua manutenção. Neste pon­­to o leitor pode pensar: mas como o fisco vai abrir mão dos impostos? A resposta foi antecipada pelo ministro: como os aparelhos não poderiam ser comprados pelos beneficiários, é como se não existissem. E se não existissem não haveria imposto a ser cobrado (nossa, tão simples assim!). Pois é, as políticas públicas e os políticos estão em todas.

Quem diria um presidente com pouco estudo seria citado na Forbes? Que um país tido como fraquinho há pouco tempo mereceria matéria especial na The Economist? Que a falta de luz em quase todo o país poderia ser causada só por um raio, e, finalmente, que todos teriam direito a um celular? Não é maravilhoso? A autoestima do brasileiro galgará muitos degraus com tudo isto. E mais e mais todos se sentirão maravilhosamente iguais, a ponto deixar definitavamente em desuso um tratamento tão educado, quanto chamar as pessoas mais velhas ou mais sábias de senhor, já que todos agora se acham no direito de optar pelo você. E você e o senhor sabem por quê? É porque todos têm di­­reitos. Não ao ensino fundamental de qualidade ou a uma formação técnica e ética de qualidade, mas a ostentar um celular. Não é maravilho? Finalmente seremos todos iguais com nossos celulares.

Marcia Carla Pereira Ribeiro, doutora em Direito, professora da UFPR e PUCPR, é pocuradora do estado do Paraná.