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| Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Causaram polêmica a oração prévia e a menção a Deus no discurso do presidente eleito, acompanhadas em rede nacional na noite de 28 de outubro. Seriam um atentado ao Estado laico ou uma violência a brasileiros de outros credos?

De saída, vale mencionar princípios básicos da vida em sociedade. É de boa ciência política que o Estado e a lei promovam o necessário ao bem comum, tolerem o que não lhe seja prejudicial e persigam o que se demonstre contrário. Surge, então, a indagação: a declaração da fé em Deus se oporia ao bem comum?

Desde a perspectiva jurídica, as liberdades de crença e expressão são garantidas na Constituição, cujo preâmbulo, ainda que desprovido de força normativa, invoca a proteção de Deus. Também a Declaração dos Direitos Humanos, de 1948, da qual somos signatários, reforça a liberdade de religião e de manifestação pública da fé pessoal.

Diante desse cenário, a hipótese de um brasileiro que se sinta fortemente atingido em sua dignidade por uma manifestação de fé cristã é muito mais retórica do que real, seja por não comungar da mesma visão ou por ser refratário a qualquer ideia de Deus. Assim sendo, convém recordar que a tolerância religiosa é praticável exatamente em face dos que professam religião diversa, sempre que não ofendam a ordem pública.

Nota-se o eriçamento da ideologia laicista, que pretende sobrepor-se à saudável laicidade do Estado

No mesmo contexto, também se nota o eriçamento da ideologia laicista, que pretende sobrepor-se à saudável laicidade do Estado. O laicismo prega o banimento das religiões e de Deus de todo espaço público. Seus adeptos tentam manipular a opinião pública e tergiversar o conceito de Estado laico, que se traduz na neutralidade do poder público em matéria espiritual. Norberto Bobbio, no fim do século passado, sustentava que o laicismo que se arma e se organiza acaba por se converter em uma “igreja” que persegue as demais.

Fosse o Brasil um país “laicista”, em vez de “laico”, seria terminantemente vedada, a título exemplificativo, a atribuição de efeitos civis ao casamento religioso, como previsto na Constituição Federal, bem como a presença de crucifixo em repartições e o ensino religioso confessional na escola pública, matérias chanceladas pelo Supremo Tribunal Federal.

Pode-se, ainda, observar a menção a Deus ou à religião cristã em discursos de líderes políticos dos quatro mais influentes Estados ocidentais. O presidente norte-americano menciona Deus em diferentes ocasiões, informais ou solenes. A chefe de Estado do Reino Unido, simultaneamente líder da Igreja Anglicana, faz menção expressa à sua fé em Jesus no discurso de Natal. A chanceler alemã, filha de pastor, conclamava concidadãos a voltarem às igrejas e a lerem a Bíblia. O presidente francês, no início do ano, apontava a necessidade de aprimorar o elo com a Igreja Católica.

Leia também: O lema político de Bolsonaro e o Estado laico (artigo de Acyr de Gerone e Gabriel Dayan, publicado em 23 de outubro de 2018)

Leia também: Bolsonaro e os desejos do eleitor (editorial de 29 de outubro de 2018)

De outra banda, nota-se a aversão de alguns intelectuais aos cristãos, por verem a religião como fonte de ideias que se opõem às suas próprias. O aparente conflito, contudo, não eleva opiniões pessoais à categoria de razões públicas. As garantias constitucionais supramencionadas estão acima de antipatias e opiniões.

Desse modo, não se pode dizer que o Estado laico tenha se desnaturado pela menção a Deus no discurso ou na oração que o antecedeu. No Brasil e nas nações mais desenvolvidas é livre a manifestação religiosa, inclusive dos que exercem os cargos mais proeminentes do Estado.

Antonio Jorge Pereira Júnior, doutor e mestre em Direito pela USP, é professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza (PPGD-Unifor). Caio Morau, advogado, é mestre em Direito Civil pela USP e professor do Programa de Pós-Graduação da Escola Superior de Direito.
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