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Em 17 de agosto, o Comitê de Direitos Humanos da ONU emitiu decisão em virtude de pedido feito pelos advogados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 27 de julho deste ano, para que ele possa registrar a sua candidatura nas próximas eleições presidenciais. Este pedido foi formulado no interior de um procedimento maior, a Comunicação 2.841/2016, apresentada ao referido comitê sob os auspícios do Protocolo Adicional ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos. O comitê é um dos nove órgãos auxiliares criados pelo sistema de tratados de direitos humanos da ONU, composto por 18 especialistas independentes, que não representam os seus Estados e apuram demandas de violação ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos. Não se confunde com o Conselho de Direitos Humanos da ONU, que é um órgão superior e interestatal. Imediatamente, o nosso Ministério das Relações Exteriores emitiu nota à imprensa em que afirma ter tomado conhecimento da decisão, porém “sem qualquer aviso ou pedido de informação prévios”, e que as “conclusões do Comitê têm caráter de recomendação e não possuem efeito juridicamente vinculante”.

O Brasil deve cumprir essa medida? Não – e por duas razões: o país não precisa, nem pode. Primeiro, de fato, como em todos os organismos não jurisdicionais de direitos humanos da ONU, as decisões desse comitê têm força meramente recomendatória. O MRE, é claro, não está errado. No caso em questão, não se trata ainda de decisão final, mas de uma medida interlocutória com natureza provisional – que, no direito brasileiro, recebe o nome de medida cautelar –, apenas para evitar que seu destinatário possa perder um possível direito, dentro de um procedimento maior que foi instaurado em 2016. Um detalhe muito importante é que nem sequer houve a decisão de admissibilidade desse procedimento. Para que possa ser aberta uma Comunicação, o artigo 5(2) do Protocolo Adicional ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos exige a observância de alguns requisitos e, então, emite uma decisão de admissibilidade, a qual ainda não ocorreu e deverá ser dada, ao final, junto com o mérito. Do ponto de vista técnico-procedimental, houve, portanto, um pouco de “pressa” do comitê.

O futuro do país não depende de organismos internacionais, mas das nossas próprias escolhas

Segundo, mesmo que aqui quiséssemos cumprir essa decisão e conceder-lhe efeito vinculante, não poderíamos. A celebração de tratados é um processo complexo que envolve diversas fases e diferentes atos. Um tratado longo, como é uma convenção de direitos humanos, depois de negociado e assinado o texto final, deve ser enviado pelo presidente para o referendo do Congresso Nacional, e somente depois de aprovado nas duas casas (quer seja com um quórum de maioria simples para tratados em geral, ou com um quórum de 3/5, em dois turnos, em ambas as casas, para que tratados de direitos humanos possam ter status constitucional), o presidente emite um decreto executivo e o tratado passa a vigorar no Brasil. Há muitos doutrinadores que defendem que a entrada em vigor de um tratado de direitos humanos no Brasil deve coincidir com a sua entrada em vigor no próprio direito internacional, quando do depósito do seu instrumento de ratificação junto ao organismo internacional. Esta ideia é bastante defensável, e eu mesmo já a esposei, mas é forçoso reconhecer que esta não é a prática brasileira desde os tempos do Império. Pela divisão de competências que a nossa Constituição inseriu nos artigos 84, VIII e 49, I, o poder de celebrar tratados no Brasil pertence ao presidente e é controlado pelo Congresso por meio do instituto do referendo. O Congresso autoriza um tratado a entrar em vigor, mas ele só passa a vigorar no direito brasileiro após a promulgação do decreto presidencial.

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No presente caso, contudo, não houve a promulgação do decreto presidencial. Em 2009, o Protocolo Adicional ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos foi aprovado pelo Decreto Legislativo 311 e o instrumento de ratificação foi depositado no Secretariado da ONU no mesmo ano, mas não houve o decreto presidencial até agora. Pelo nosso sistema, isso significa que o tratado não é exigível, visto que não é norma válida no direito brasileiro.

O Brasil vive um momento político bastante conturbado, e decisões como esta, do Comitê de Direitos Humanos da ONU, podem apresentar um conteúdo inflamatório, se não houver ciência do que realmente se trata. Nesta questão, como é de se esperar, o futuro do país não depende de organismos internacionais, mas das nossas próprias escolhas. Essa polarização é agravada, em especial, quando especialistas sobre o tema resolvem esquecer os seus conhecimentos para tomar posição num debate ideológico. Quem perde, no fim, é o Direito.

Paulo Emílio Vauthier Borges de Macedo, advogado e pós-doutor em Direito, é professor de Direito Internacional Público da Uerj e vice-coordenador do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito da Uerj.
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