Mais que aspiração, a candidatura do embaixador Roberto Azevedo a diretor-geral da Organização Mundial de Comércio (OMC) é dever incontornável. Nenhuma outra reúne condições comparáveis de credibilidade, competência e viabilidade para encarnar o que constitui moralmente e em termos de coerência o problema maior da organização: como tornar o sistema multilateral de comércio menos desequilibrado e desfavorável à maioria dos países em desenvolvimento?
Várias razões concorrem para a paralisia e desgaste atuais da OMC e de sua Rodada Doha de negociações, que se arrastam há mais de dez anos sem esperança de conclusão. A crise econômica e seu destrutivo impacto no emprego geram o "sacro egoísmo" do nacionalismo protecionista. A revolução desestabilizadora provocada pela invasão chinesa dos mercados convida a uma atitude de esperar para ver. As disfunções do pesado sistema decisório não ajudam a construir consenso.
Antes, porém, que esses motivos aparecessem existia já um problema continuamente postergado desde os anos 1960: a reforma do sistema comercial no sentido da correção dos desequilíbrios e injustiças que afetam em especial os países menos desenvolvidos.
O conjunto dessas questões conforma o que se denomina de "agenda inacabada" das rodadas negociadoras do passado. Os dois componentes principais da agenda são a agricultura e a recusa de tratar os desiguais de maneira diferenciada.
Em cada impasse das negociações, empurram-se esses desafios para futuro indefinido. Em Tóquio, a prioridade invocada foi o combate ao dumping. Na Rodada Uruguai, sacrificou-se tudo aos temas "novos": serviços, propriedade intelectual, investimentos.
Desta vez, o pretexto é a necessidade de facilitar o comércio, isto é, as importações. Pode-se alegar que no passado não havia um compromisso de resolver a agenda pendente. Agora, contudo, essa agenda inacabada se confunde com a própria agenda oficial da Rodada Doha.
Eu estava em Doha quando a rodada foi lançada em 2001 e posso atestar o que é amplamente conhecido: que os países menos desenvolvidos só aceitaram negociar mediante o compromisso explícito de que a agricultura e os problemas do desenvolvimento seriam a ênfase central do processo. Negar isso é renegar o compromisso, confirmando que a promessa e o nome de "rodada do desenvolvimento" não passavam de estratagemas para enganar incautos.
Enquanto isso, nem os apertos da crise financeira nem a imposição de cortes (sobretudo sociais) foram capazes de levar os Estados Unidos, a Europa e o Japão a reduzirem ou abandonarem os injustos subsídios à agricultura.
Ora, ninguém contribuiu tanto à condenação jurídica dos subsídios americanos ao algodão e europeus ao açúcar, marcos culminante da afirmação do direito contra o arbítrio, como Roberto Azevedo, então chefe do contencioso do Itamaraty. Sua escolha daria à OMC a credibilidade ética e a competência imparcial para redimir a agenda inacabada e devolver à organização a relevância que perdeu.
Rubens Ricupero, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) e ministro da Fazenda no governo Itamar Franco.