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O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisão histórica, condenou um pai que deixou de reconhecer espontaneamente a paternidade de sua filha e jamais lhe proporcionou a atenção, o amor e o cuidado devidos, ao pagamento de indenização por dano moral. Ao contrário do que alguns têm argumentado o cerne da questão não está em "obrigar" os pais a darem afeto a seus filhos, mas sim em responsabilizá-los por se omitirem em fazê-lo.

A lei e a Constituição Federal exigem a "paternidade responsável" e estabelecem uma série de deveres aos pais, que vão muito além do sustento de seus filhos ou do provimento de suas necessidades meramente materiais. Os chamados "deveres paternofiliais" (que, por sinal, são recíprocos entre pais e filhos) também abrangem a assistência moral e emocional, o que compreende o carinho e o afeto mútuos. A existência de relação de afetividade, vale dizer, é de extrema importância para o desenvolvimento sadio do indivíduo, e sua negativa aos filhos, por parte dos pais, é fonte de traumas e prejuízos de ordem moral e emocional que podem trazer graves consequências futuras, e é justamente em razão dos prejuízos decorrentes do chamado "abandono afetivo" que se impõe o dever de indenizar.

Evidente que não será com a ameaça de uma condenação ao pagamento de indenização por dano moral que essa relação de afetividade será estabelecida (e nem é esse, como dito acima, seu objetivo), mas não resta dúvida de que a referida decisão provoca uma reflexão acerca da importância de os pais assumirem, de maneira integral (e não apenas no aspecto material), suas responsabilidades em relação a seus filhos, especialmente enquanto crianças e adolescentes. A construção (assim como o resgate) de uma relação de afeto entre pais e filhos, quando isso não ocorre espontaneamente, é uma tarefa complexa que exige a intervenção de profissionais qualificados e abordagens múltiplas, efetuadas no contexto de uma política de atenção à família que, a rigor, o poder público deveria proporcionar em caráter oficial.

Semelhantes abordagens devem ocorrer desde a concepção e, se necessário, se estender ao menos enquanto os filhos forem crianças e adolescentes. Tudo começa, logicamente, com o reconhecimento ao estado de filiação, que se constitui num direito inalienável do indivíduo e é a base para realização das intervenções futuras. Pensando nisso, o Conselho Nacional de Justiça lançou o programa "Pai Presente", através do qual, a partir de um trabalho perante às escolas e os cartórios do Registro Civil, se procura obter espontaneamente o reconhecimento da paternidade dos alunos registrados apenas em nome da mãe. É preciso que tal programa seja complementado por outras ações do poder público, na busca da construção de uma relação paternofilial saudável. Na qual os pais sejam conscientizados e "trabalhados" não apenas para sentir, mas também para demonstrar afeto em relação a seus filhos, que têm o direito de serem amados e receber a atenção e o carinho que lhes são devidos.

De qualquer sorte, embora intervenção estatal, em tais casos, não deva se limitar à punição dos pais que negam carinho e afeto a seus filhos, é certo que se constitui numa alternativa, ao menos, para responsabilizá-los por sua omissão e pelos prejuízos de ordem moral e emocional dela resultantes, cujos reflexos podem se estender para toda vida dos filhos que, desta forma, serão ao menos compensados pelas privações sofridas.

Murillo José Digiácomo é promotor de Justiça, atuando no Centro de Apoio Operacional das Promo­­torias da Criança e do Adolescente do Ministério Público do Paraná.

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