O título desse artigo pode parecer ao leitor uma piada, mas na verdade revela como pode ser encaminhado o contencioso tributário no Brasil.
Para ilustrar, recordo de um caso amplamente divulgado na mídia: uma cervejaria no Rio de Janeiro que, segundo a Procuradoria-Geral do Estado, tem uma dívida de R$ 1,2 bilhão em ICMS e está tentando se beneficiar de uma lei estadual que permite o parcelamento especial. A primeira instância aprovou o parcelamento em mais de 2 mil anos!
Sem entrar no mérito, esse prolongamento milenar de uma dívida tributária faz lembrar o modus operandi do denominado “devedor contumaz”, no qual a empresa se estrutura para não pagar tributos e utiliza todos os meios administrativos e judiciais para protelar indefinidamente o pagamento. Ao não pagar impostos, sua margem de lucro é multiplicada e ela pode ofertar produtos a preços bem mais baixos, destruindo a concorrência leal.
O sistema tributário brasileiro torna a vida do contribuinte que tem patrimônio declarado e atividade regular muito mais difícil que a daquele que atua exercendo suas atividades nas sombras
Os valores devidos são bilionários e embolsados por quem se locupleta. Só no setor de combustíveis o passivo é de R$ 60 bilhões; no de cigarros, R$ 24,7 bilhões. Uma subversão do dito popular “devo, não nego, não pago”.
É evidente que o sistema tributário brasileiro se apresenta de modo caótico, tantas as normas e decretos que possibilitam as mais diversas interpretações e, dessa forma, fazem com que a vida do contribuinte que tem patrimônio declarado e atividade regular seja muito mais difícil que a daquele que atua exercendo suas atividades nas sombras.
É certo que temos de enfrentar esse desafio simplificando o sistema tributário, facilitando e estimulando a atividade do contribuinte regular, e dificultando e diminuindo o espaço dos contumazes. Nesse sentido, temos parado desde março de 2019 no Senado Federal – e pronto para ser votado – o PLS 284/17, definindo com precisão o que é devedor contumaz, diferenciando-o de devedor eventual e reiterando e assegurando medidas mais eficazes para o fisco poder agir.
Assim temos, de um lado, o sistema tributário complexo que cria obstáculos para os contribuintes e resulta em cifras inacreditáveis (estudo patrocinado pelo Instituto Etco com a consultoria internacional EY indica que o contencioso tributário no Brasil é de R$ 3,4 trilhões); de outro, esse caos que auxilia os que querem postergar o pagamento de tributos indefinidamente. Essa situação causa insegurança jurídica e afasta investimentos, devendo ser revertida com urgência.
Voltando à lei que permite esse parcelamento de extensão bíblica, temos um retrato das consequências que algumas iniciativas legislativas podem ter. Assim, limitar o valor das prestações poderia ser uma medida defensável, mas, em verdade, boas intenções podem gerar um resultado anacrônico. A análise de risco e efeitos deve ser sempre aprofundada.
Diante dessa possibilidade de transação, é possível que seja proposta uma conciliação, diminuindo as prestações para 500 anos. Parece piada, mas é verdade patente.
Edson Luiz Vismona é advogado, presidente do Instituto Etco e do Fórum Nacional Contra a Pirataria e Ilegalidade (FNCP), e foi secretário da Justiça e Defesa da Cidadania do estado de São Paulo.
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