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José Pio Martins

Dez anos sem Roberto Campos

O mundo ainda revolvia as cinzas dos ataques ao World Trade Center e ao Pentágogno, quando o Brasil perdia, em 9 de outubro de 2001, um de seus homens mais inteligentes

"Quando morre um intelectual é como se uma biblioteca se incendiasse". Esse provérbio aplica-se com rigor a Roberto Campos, cuja morte completa 10 anos exatamente hoje. Lembro-me de que o mundo ainda revolvia as cinzas dos ataques ao World Trade Center e ao Pentágogno, quando o Brasil perdia, em 9 de outubro de 2001, um de seus homens mais inteligentes. Ninguém é insubstituível, mas Roberto Campos deixou um vazio na paisagem intelectual brasileira.

Nascido pobre no estado de Mato Grosso, Roberto Campos era portador de um cérebro que o levaria à glória como filósofo, economista, embaixador, ministro, senador e deputado. Desde que fora consignado ao departamento de comércio do Itamarati e enviado a Washington como secretário na Embaixada Brasileira aos 27 anos, Roberto Campos dedicou-se a esgrimir sua poderosa mente e sua lógica implacável, como analista econômico, político e social sobre os mais variados temas do Brasil e do mundo. Sua disposição para pesquisar e sua refinada capacidade de argumentação fizeram que todos os governos desde os anos 1940 o convocassem para missões especiais no serviço público.

Tendo sido um dos participantes na criação do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional e na adoção do padrão dólar em substituição ao padrão ouro, Roberto Campos foi o principal responsável pela estruturação da economia brasileira desde Getúlio Vargas. Foi o criador do BNDES, elaborou o Plano de Metas de Juscelino Kubitschek e, como ministro do Planejamento de Castello Branco, foi o artífice das reformas tributária, trabalhista e bancária, cujos destaques são a criação do ICMS, do FGTS, do Banco Central e da Lei do Sistema Financeiro Nacional.

Após ter sido embaixador do Brasil na Inglaterra nos governos Geisel e Figueiredo, Roberto Campos se elegeu senador pelo Mato Grosso, em 1982, e foi deputado federal duas vezes pelo Rio de Janeiro. Como economista e parlamentar, influenciou toda uma geração de políticos e jovens economistas. Lendo reportagem da revista Veja de 25 de setembro passado, em que se informa que o Brasil fez 4,2 milhões de leis (incluindo decretos, resoluções e portarias), lembro-me de Roberto Campos dizendo que Brasília tinha uma inescapável vocação para ser uma "fábrica de déficits, nunca uma usina de produção" e que o mal do Congresso Nacional era que "todo parlamentar que se elege quer fazer alguma coisa".

Desanimado, dizia ele que em sua metamorfose de tecnocrata a político pensava em fazer o bem, mas, vendo que seria impossível, contentava-se em evitar o mal. Uma de suas ironias era que "esperar racionalidade do parlamento brasileiro é ingenuidade", pois que, lá, o político tem duas prioridades: a primeira, garantir sua própria reeleição; a segunda, agradar ao povo, mesmo à custa de enterrar a lógica e a razão... e, mais adiante, o próprio país.

Quando confrontado com o crescente nível de corrupção na política, Roberto Campos dizia que "sendo impossível mudar a natureza do pecador, cumpre reduzir as oportunidades de pecado", e defendia a redução do tamanho do Estado. Ele dizia não entender como as mesmas pessoas que ficavam iradas com a corrupção nas obras públicas e nas empresas estatais eram contra as privatizações. A venda de empresas estatais seria, segundo ele, a melhor forma de melhorar a ética pública, aumentar a eficiência da economia e liberar recursos para investimentos sociais.

Sua erudição, seus conhecimentos de economia e sua cultura mundial faziam dele um homem respeitado por todos, inclusive por seus adversários. Roberto Campos era um liberal clássico, defensor da liberdade, dos direitos individuais, da democracia política e da economia de mercado. Henry Kissinger dizia que "conversar com Roberto Campos é, ao mesmo tempo, um prazer e uma humilhação. Um prazer pelos aforismos brilhantes que produz. Humilhação, porque armazena na memória um montão enciclopédico de fatos que eu não teria a paciência de pesquisar".

Hoje, faz 10 anos que Roberto Campos deixou este mundo, aos 84 anos. Resta-nos o conforto de saber que suas ideias e suas realizações estão aí. Se ele não conseguiu fazer tanto o bem quanto pretendia, ao menos contribuiu para elevar o nível do debate e mostrar a enorme distância que há entre a genialidade e a estupidez. Ele tentou nos alertar que "o governo é um amontoado de burocratas e políticos que almoçam e jantam poder, promoção e privilégios. Somente na sobremesa eles pensam no bem comum".

Nestes tempos, em que homens brilhantes andam escassos, reler o que Roberto Campos deixou escrito é um prazer e um alento.

José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo.

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