O Congresso Nacional, com seus 513 deputados federais e os 81 senadores que tomaram posse no dia 1º de fevereiro, tem uma missão histórica e desafiadora: debater, com urgência e profundidade, mudanças legislativas sobre 10 pontos que vêm sendo ignorados pelo Legislativo e pelo Executivo, apesar de sua importância fundamental. São questões que considero terem capacidade para transformar o Brasil e mudar para melhor a vida da população, por meio da redução das desigualdades regionais e sociais, da eliminação de privilégios, do efetivo combate à corrupção, da valorização da gestão transparente e responsável, da correção de distorções arraigadas, enfim, de medidas inadiáveis para recolocar o país na rota do desenvolvimento.
A primeira delas é acabar com a reeleição para cargos do Poder Executivo. O modelo atual, vigente desde 1997 por alteração constitucional casuística, já deu mostras de que não funciona. Isso porque o governante em seu primeiro dia de gestão já passa a pensar e agir visando à reeleição. Governos que deveriam ser de coalização se transformam rapidamente em governos de cooptação, com negociações muitas vezes espúrias e loteamento de cargos técnicos entre políticos. Se o mandato de quatro anos é de fato curto para o governante implantar seus projetos, o ideal seria fixar um mandato mais longo – de cinco ou seis anos, no máximo –, sem possibilidade de um novo mandato imediato.
Fiscalizar o Executivo é uma das funções precípuas da Câmara e do Senado. Fazer isso com seriedade é um grande passo, mas é possível avançar.
Outro ponto fundamental é a retomada da prisão em segunda instância. A proibição da prisão de condenado em segunda instância judicial por decisão colegiada precisa ser revista com urgência. Tal como está, apenas aumenta na sociedade a sensação de impunidade e alimenta a falsa ideia de que o crime compensa. Não contribui em nada para o combate à corrupção porque até permite que gestores públicos condenados por tal crime possam recorrer em liberdade e se candidatarem novamente a cargos eletivos nos quais praticaram os malfeitos, retomando, se eleitos, o direito ao foro privilegiado, num círculo vicioso imoral e altamente prejudicial ao país.
Igualmente é preciso haver uma redução drástica do foro privilegiado. O instituto do foro por prerrogativa de função, criado para proteger o julgamento de autoridades de cargos específicos e evitar decisões arbitrárias, transformou-se, no Brasil, em um manto de impunidade. O que deveria ser exceção tornou-se regra: nada menos que cerca de 55 mil ocupantes de cargos públicos são beneficiados pelo foro privilegiado, abrangência que não encontra similaridade em nenhum outro país do mundo. É preciso um corte drástico, restringindo esse benefício apenas aos presidentes dos Três Poderes, autoridades máximas na República.
O país precisa de mecanismos que garantam a responsabilização maior dos maus gestores públicos.
Ainda é preciso reavaliar a candidatura de suplentes. A legislação precisa ser alterada para vedar a participação de parentes do candidato ao cargo eletivo na mesma chapa, como vice-presidente, vice-governador ou vice-prefeito, ou ainda como suplente de senador. A permissão atual possibilita verdadeiros feudos familiares e situações esdrúxulas, como a esposa ou filho do governante, na condição de vice, assumir o cargo principal depois do titular do cargo ter sido afastado por corrupção. Inaceitável.
Também é necessário promover a despolitização dos tribunais de contas. Os órgãos de controle externo – Tribunais de Contas da União, dos Estados e dos Municípios – devem ter todos os seus integrantes escolhidos mediante concurso público e não mais nomeados livremente (após aprovação do Legislativo), o que possibilita a políticos ocuparem as cadeiras de conselheiros, como ocorre atualmente, sem necessidade de comprovação de conhecimento técnico para a função e carregando velhos vícios da má política.
Embora seja um processo complexo, outro ponto importante que merece atenção do Congresso é a redução das desigualdades regionais e sociais.
A remodelação dos fundos Partidário e Eleitoral é outra medida urgente. Custeados com recursos do contribuinte, os fundos Partidário e Eleitoral, ambos milionários, necessitam sofrer drástica redução a nível compatível com as limitações orçamentárias do país para setores prioritários à população, como saúde, educação, habitação e saneamento básico. Essa situação exige a redemocratização do acesso os gordos cofres desses fundos, hoje geridos discricionariamente pelos líderes das legendas, além de buscar maior transparência na utilização dos recursos, incluindo a publicação prévia dos valores destinados a cada candidato.
A limitação dos gastos tributários da União também precisa ser instituída. Os excessivos gastos tributários da União sugam o orçamento da nação, já limitado. Por isso, precisam sofrer redução substancial, com limitação a até 1,5% do PIB (cerca de R$ 160 bilhões/ano). Isso geraria economia de R$ 296 bilhões/ano aos cofres públicos. Além disso, os benefícios fiscais somente devem ser concedidos para correção das desigualdades regionais e sociais, conforme já estabelece a Constituição (CF Arts. 3º, 43, 151, 155 e parágrafos 6º e 7º do art. 165). Para a completa moralização desses recursos, é preciso que tais benefícios sejam concedidos apenas por tempo limitado, com valores decrescentes ao longo dos anos. Necessário, ainda, garantir transparência a respeito dos beneficiários e exigir auditagem periódica – por órgão externo – para verificação da efetividade de cada renúncia. Outra medida imprescindível é vetar novos gastos tributários feitos com a renúncia de impostos compartilhados (IR e IPI), a fim de não prejudicar estados e municípios. Ou, na hipótese de concessão, que seja obrigatória a compensação com a receita da parcela do IR pertencente à União.
O novo Congresso pode dar ao Brasil, o país das oportunidades perdidas e que precisa urgentemente recuperar o tempo perdido, a chance de reencontrar o rumo do desenvolvimento.
Embora seja um processo complexo, outro ponto importante que merece atenção do Congresso é a redução das desigualdades regionais e sociais. Para tornar o Brasil um país menos injusto regional e socialmente, o Congresso deveria aprovar alteração legislativa obrigando a União a destinar 40% do valor de redução dos gastos tributários em ações específicas para essa finalidade. Isso garantiria R$118,40 bilhões por ano para aplicação obrigatória em infraestrutura nas regiões norte, nordeste e centro-oeste, para investimento em educação, e para a correção anual das tabelas do Imposto de Renda Pessoa Física. Também é necessário exigir a drástica redução da tributação sobre consumo para 15% da carga tributária (no máximo) e também da tributação sobre a folha e contribuições sociais (emprego), além de aumentar a tributação sobre renda e capital, de modo a compensar perdas das receitas com tributação sobre o consumo.
Igualmente complexa, mas necessária, é a Revisão do Código de Processo Penal. É urgente a revisão do Código de Processo Penal para agilizar a tramitação dos processos, evitar a prescrição e, por consequência, assegurar a punição. Convém reavaliar os prazos para a conclusão dos inquéritos criminais e para o Ministério Público analisar o resultado das investigações e apresentar a denúncia ao Poder Judiciário ou, conforme o caso, requerer o arquivamento. A morosidade da Justiça brasileira é uma crítica antiga e justificada.
Por fim, o país precisa de mecanismos que garantam a responsabilização maior dos maus gestores públicos. Deve haver a fixação de pena de inelegibilidade (por 10 ou 20 anos) para os governantes condenados por geração de déficit primário, uma vez que é responsabilidade do agente público zelar pela correta aplicação dos recursos públicos, sem o comprometimento da receita, notadamente para gestão subsequente.
Debruçar-se sobre essas 10 questões que considero fundamentais é a grande contribuição que o novo Congresso pode dar ao Brasil, o país das oportunidades perdidas e que precisa urgentemente recuperar o tempo perdido, reencontrar o rumo do desenvolvimento e, assim, oferecer uma nova perspectiva de vida digna aos seus 215 milhões de cidadãos, muito lembrados na hora do voto, porém ignorados ao longo dos anos.
Fiscalizar o Executivo é uma das funções precípuas da Câmara e do Senado. Fazer isso com seriedade é um grande passo, mas é possível avançar, discutindo com coragem e maturidade tais pontos, propondo e aprovando projetos de lei para mudar a realidade atual, corrigindo omissões, provocando ações efetivas, contribuindo, enfim, para tornar a nação mais digna para todos os brasileiros.
Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor dos livros “Brasil, um país à deriva” e “Caminhos para um país sem rumo”.