Para os católicos, hoje é o Dia da Bíblia. Celebra-se a presença de Jesus Cristo que se revela, e os que buscam segui-Lo são desafiados a revelar o seguimento em atos.
Hoje, São Paulo, na Carta aos Filipenses (Fl 2,1-11), nos presenteia com palavras que tocam o profundo do coração. É um apelo à unidade nos mesmos sentimentos em Cristo. Porém, essa experiência de unidade exige de nós uma constante observância e um aprimoramento do nosso próprio modo de agir. O próprio apóstolo dos gentios nos aponta o caminho: Jesus esvaziou-se, "humilhou-se a si mesmo, fazendo-se obediente até a morte, e morte de cruz" (Fl 2,8). Eis aí a primeira lição para nossa semana! Numa sociedade que privilegia o "eu" em detrimento do "outro" e do "nós", aprendamos a esvaziar o nosso "ego". A verdade é que desenvolvemos as mais altas tecnologias da informação e sabemos de tudo e de todos, mas desaprendemos a nos comunicar. As mais básicas formas de respeito mútuo e de diálogo sincero e espontâneo estão desaparecendo em meio ao turbilhão das novas mídias, como se o acesso a elas nos garantisse a felicidade. Deste modo, apliquemos para o nosso dia a dia o sábio conselho de São Paulo: "Nada façais por competição ou vanglória, mas, com humildade, cada um julgue que o outro é mais importante, e não cuide somente do que é seu, mas também do que é do outro" (Fl 2,3-4).
Esse exacerbamento do "ego" nos leva à ilusão de que nosso valor está naquilo que possuímos e há um desencontro, um descompasso da nossa própria identidade como pessoa. Começamos a desconsiderar o outro, a "coisificá-lo", tornando nossas relações interpessoais um sistema frio de troca de interesses. Esse clima de interesse se estabelece anonimamente nas estruturas sociais, entra nas nossas comunidades eclesiais, e mina as relações mais próximas no seio familiar, corroendo aquilo que nos foi dado de mais precioso: o amor de Deus, amor ágape, verdadeiro, sem interesses, como doação total de si para o outro. Dessa forma, na falta dessa experiência primordial e necessária, vamos construindo uma sociedade que mascara os seus reais sentimentos, onde as relações humanas se tornam superficiais e podem chegar até a normatizar a mentira e a hipocrisia.
Jesus suportou e amou a todos: enfermos, leprosos, loucos, mendigos, estrangeiros, heréticos, inimigos, pecadores, delinquentes, traidores, mas não suportava os hipócritas. A parábola dos dois irmãos proposta para este domingo (Mt 21,28-32) é uma crítica a essa hipocrisia. A vinha do Senhor é o mundo em que vivemos. Ele conta conosco, espera nossa colaboração, uma resposta e conta com nossa responsabilidade e capacidade de assumir nossos compromissos diante da missão. Que nosso "sim" não seja só para agradar, conseguir uma ascensão profissional, para ganhar prestígio, para fazer média e ganhar status. Essa maneira de responder não tem raiz, é superficial e hipócrita.
Vemos claramente na parábola que, diante de Deus, mesmo na dúvida, na dificuldade de dizer "sim", mesmo na indecisão de respostas definitivas, temos a chance de repensar, de nos liberarmos das nossas resistências, pois não somos prisioneiros de nós mesmos, das nossas posições, isto é, podemos sempre nos arrepender e ir ao encontro. A hesitação faz parte da natureza humana e é normal colocar resistência quando uma missão incomoda ou é exigente. Mas o importante é não calar a pergunta, não descartar quem interpela e jamais esconder-se diante do confronto com Deus, com o outro, consigo mesmo e com a própria alma.
Dom Rafael Biernaski, bispo auxiliar e administrador diocesano da Arquidiocese de Curitiba