Imagine-se vivendo em um país onde o Judiciário, de repente, resolve afirmar que não há mais limites de velocidade em nossas rodovias, onde 80 km/h ou 110 km/h já não sejam mais nenhuma referência. Agora, suponha que nesse país, o mesmo poder Judiciário decida que Detran, Polícia Rodoviária Federal ou qualquer outro órgão de policiamento não possa mais exercer seu poder fiscalizatório sobre os motoristas. Crianças, inabilitados, qualquer um poderá conduzir um veículo automotor e sem limites de velocidade, transformando nosso trânsito em um verdadeiro caos.
Se o leitor conseguiu projetar mentalmente esta situação, transfira-a para a questão do aborto em nosso país e poderemos concluir, sem sombra de dúvidas, que no último dia 3 de dezembro, legalizamos e liberamos a prática do aborto em qualquer idade gestacional, superando todos os outros países do mundo. Agora, em matéria de cultura da morte, somos os maiores!
Duas simples decisões monocráticas alteraram todo o ordenamento jurídico brasileiro, aprovando o abortamento sem limites de idade gestacional e sem fiscalização nenhuma
Um detalhe interessante é que – por mais paradoxal que possa ser essa expressão – justiça seja feita, não foi o PT quem instituiu o aborto livre no Brasil, mas sim, nosso Judiciário. E foi algo simples, sem alarde. Tudo começou através de uma decisão monocrática na ADPF 1141/DF, em 17 de maio, onde o STF suspendeu uma Resolução do CFM que proibia a realização de abortamentos feitos por Assistolia Fetal, um procedimento de tortura extremamente atroz, que é proibido para animais e também para os condenados à pena de morte.
Como este tipo de abortamento é o que é realizado em crianças com idade gestacional acima de 20/22 semanas, na prática, liberou-se o homicídio de crianças em qualquer idade gestacional no Brasil. 8 meses e 29 dias? Sem problemas. É só aplicar um ácido que queima o bebê por dentro de forma lenta e extremamente dolorosa para retirarmos a criança totalmente carbonizada do ventre de sua mãe.
Para completar, nesta semana, no último dia 3 de dezembro, na mesma ação, outra decisão monocrática entendeu por bem proibir que os órgãos fiscalizatórios (CRM e CFM) tenham acesso a quaisquer dados sobre os procedimentos de aborto "legal" feitos nos hospitais, ou seja: se um oftalmologista ou um ortopedista quiser fazer um aborto e, até mesmo, se a mulher não estiver em situação que haja permissão para a realização do assassinato do bebê em seu ventre, está liberado, pois nada disso poderá ser analisado pelos órgãos que, até poucos dias atrás, tinham a atribuição legal de fiscalizar todos os procedimentos médicos.
Como se vê, duas simples decisões monocráticas alteraram todo o ordenamento jurídico brasileiro, aprovando e liberando o abortamento sem limites de idade gestacional e sem fiscalização nenhuma. Hoje, qualquer mulher pode procurar um hospital e, simplesmente, pedir para abortar seu filho. Se foi ou não vítima de violência, se irão ou não fazer os procedimentos seguindo os protocolos de assistência, se houve ou não a participação de uma equipe disciplinar e tantas outras particularidades desses tristes casos, não sofrerão nenhuma inspeção de ninguém, absolutamente ninguém.
Essa esdrúxula situação de nossos bebês nos recorda uma antiga música dos Engenheiros do Hawaii: em Exército de um homem só a banda abordava a sensação de isolamento e impotência do homem frente às forças da sociedade. Hoje, depois deste fatídico 3 de dezembro, o nascituro é um exército de um homem só, lutando contra um Poder Judiciário de um homem só.
Danilo de Almeida Martins é defensor público federal.