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A cidade e as soluções – crônicas de um CNPJ
| Foto: Alexandre Mazzo/Arquivo/Gazeta do Povo

A classe política no Brasil vive, há quase duas décadas, um grande descrédito por parte da população devido à crise econômica e aos escândalos de corrupção. Mas o abismo entre a participação no debate público e os CNPJs é ainda maior. Se há um crescente movimento de conscientização das pessoas para que cobrem e fiscalizem os que são eleitos como nossos representantes, o relacionamento entre empresas e gestores públicos ainda é visto como algo obscuro, que deve ser evitado, um verdadeiro tabu.

A Operação Lava Jato escancarou um dos esquemas mais promíscuos de relação entre o público e o privado em nosso país, e parece que estamos longe de nos recuperarmos desse trauma. A interação entre empresas e governos, no entanto, principalmente os locais, não precisa, e tampouco pode ser algo desonesto. Muito pelo contrário, é um debate a ser incentivado, desde que de forma saudável. Afinal, uma gestão municipal caótica, por exemplo, pode prejudicar muito as empresas. Se o sistema de transportes entra em greve, o funcionário não chega para trabalhar; caso não criem mais vagas de estacionamento, não haverá movimento nas lojas, pois os clientes não terão onde deixar os carros, e por aí vai.

Vejo três tipos de empresários, e estou aqui falando, principalmente, dos pequenos e médios empregadores, que compõem a grande maioria no nosso país. O primeiro é aquele que procura ignorar a existência de um governo local e sobreviver apesar dele. Já o segundo até tem vontade de exigir mais, porém, tem medo de se envolver na corrupção e na violência, intrínsecas ao jogo político em nosso país. E não é por menos: um levantamento do jornal O Estado de S. Paulo demonstra que em 2020 já foram registrados 107 assassinatos políticos no Brasil, maior número desde 1979.

Sinto falta do prefeito que procura saber o quão difícil é empreender em sua cidade

Por fim, nós temos aquele empresário que quer muito dialogar, realizar parcerias com o poder público e trazer um impacto positivo para aquela comunidade onde a empresa está instalada. No entanto, ainda que ele esteja dialogando com um prefeito honesto e com perfil de gestor, o buraco nas prefeituras no Brasil é bem mais embaixo.

No dia 1.º de janeiro de 2021 começam os novos mandatos dos prefeitos dos 5.570 municípios do Brasil, e a maior parte deles não tem ainda nem noção do tamanho da encrenca que irão encontrar. Um número gigantesco de municípios no Brasil nem sequer tem viabilidade para existir, pois a arrecadação e os repasses das esferas federal e estadual ou se mostram insuficientes ou podem ser mal geridos. Não à toa, o ministro da Economia, Paulo Guedes, propôs, em novembro de 2019, a fusão de municípios “inviáveis” para que se tornassem mais sustentáveis. A regra atingiria um quarto das cidades brasileiras e tornaria a máquina pública mais enxuta. A proposta, no entanto, ainda não avançou.

Agora, se um problema é o medo do empresário em ter mais participação política, outro mais grave ainda é a total falta de disposição das prefeituras em dialogar com o empresariado. Os gestores executivos parecem focar em ações mais midiáticas, como postos de saúde e asfalto, que são, sim, problemas importantíssimos. Mas sinto falta do prefeito que procura saber o quão difícil é empreender naquela cidade. Aquele que monitora indicadores que mostram a demora para abrir uma empresa, o tempo de sobrevivência dos negócios e a taxa de evasão para outras cidades, por exemplo. Em resumo, a maioria pensa apenas em como distribuir o dinheiro dos impostos, sem pensar no aumento da arrecadação a partir de mais eficiência e menos burocracia, e assim ajudar a impulsionar as empresas que certamente contribuem com a economia saudável do município. Não à toa, a conta nunca fecha.

O governo federal também confunde autonomia e descentralização, que são pontos positivos, com a transferência de responsabilidades. O resultado é um jogo de empurra-empurra da culpa e os maiores prejudicados são sempre os cidadãos e as empresas, pagadores de impostos. Falta à União uma ação mais eficiente e próxima às cidades, com a disseminação de boas práticas, cobrança da aplicação correta dos recursos e um sistema de recompensas ou penalizações, conforme a qualidade e eficiência da gestão.

Fato é que uma lição importante para todos manterem em mente é que os governos vão, as empresas ficam. Ou pelo menos deveriam permanecer. Cidades mal geridas podem acabar com empreendimentos e destruir centenas de vidas. Afinal, não é toda empresa que tem capacidade de trocar de local quando a estrutura ou condições se deterioram. Se as licenças são impossíveis de tirar ou a violência naquele bairro está insustentável, a maioria das empresas irá cortar custos, ou seja, realizar demissões. Essa falta de facilitação dá vantagem às grandes corporações que dispõem de recursos para lidar com estes riscos. Isso enterra os pequenos e médios negócios e ajuda a piorar a desigualdade em nosso país.

Daniel Schnaider é CEO da Pointer By PowerFleet Brasil.

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