Duração do vídeo, 30 segundos. Meio minuto tenso selando o destino humano.
Uma jovem dominada pela fúria esbraveja com a criança chorando, atormentada. Não foi bonito ver duas almas se enfrentando num jogo de ira e birra, barganha e chantagem. Na última frase o veredito infeliz, invocando soberano poder de adulto: “Então prefere assim? Esta noite você dorme pra fora!”
A ameaça arruinou vidas.
Desconheço onde o pirralho passou aquela noite, o próprio termo “pra fora” é impreciso e duvidoso. Pra fora do berço ou da casa?
Quem teve o privilégio de crescer sob o manto caloroso da família bem sabe que o caldo pode engrossar a qualquer momento. Inclusive o amor materno, incondicional e pleno, às vezes se descontrola. A sabedoria nos orienta, quem venera também castiga. Existe algo mais mundano que expressar ternura ou raiva?
Agentes públicos atuaram com dureza, enquadrando a mãe nos termos frios da lei
Apareceu a opção de ver de novo, e é isso que farei – depois de ler a notícia. Agentes públicos atuaram com dureza, enquadrando a mãe nos termos frios da lei. Sim, custou caro aquela ameaça, ela perdeu a guarda da criança por causa da cena triste.
Amargurada, rogava aos quatro ventos que se reconsiderasse decisão tão rigorosa. Vagava por repartições e gabinetes, ela e seus advogados. Para incriminar,l palavras bastaram; para se rever a decisão era preciso documentos – muitos. Uma vida de retidão, depoimento favorável, testemunho a favor, nada se mostrava suficiente para aplacar o malfeito daquela mãe desesperada. Não bastaria perguntar ao filho mofando no orfanato se não gostaria de voltar para o aconchego do lar? Não, não bastaria. Burocrata não entende a lógica dos mortais, se alimenta de papel carimbado.
Como resgatar o filho das entranhas do Estado? Gastando dinheiro que já dava sinais de acabar. Dias penosos se acumulavam, mais e mais despachos, investidas inglórias contra tentáculos invisíveis beirando preciosismo ou má vontade. “Quem tirou o filho dos meus braços não tem coração, nem aptidão para educar. Sanha legalista criando problema inexistente, em vez de resolver aqueles que se amontoam.” Entre aspas, palavras vigorosas de uma mãe inconformada.
Leia também: Casamento e bem comum (artigo de Carlos Adriano Ferraz, publicado em 14 de outubro de 2018)
Tive pena dos infelizes. Pobre mulher, pobre criança. Tanto amor acumulado se revelou insuficiente para manter uma união corroída pelas ruínas de um tempo estranho. Cândidos beijos e abraços, e de repente uma canetada extingue o convívio, tendo como base uma câmera indiscreta potencializando uma miudeza do dia a dia.
Volto ao vídeo, numa esperança tosca de que, desta vez, revele algo novo para justificar aquele drama forjado pelo monstro impiedoso, sem rosto e sem afeto, que nos espreita todo dia. Nada além dos 30 segundos arrasadores, fracionando mãe e filho em opressora e vítima.
Meu coração inquieto se manifesta, compra as dores da mulher, especulando além da reportagem. O que o poder público busca, afinal? Uma perfeição impossível? Melhor seria aceitar a vida imprecisa como ela é, em vez de brincar de Deus, espalhando sofrimento, idealizando harmonia total que só existe em cabeças delirantes ou, quem sabe, além da morte.
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