Campanhas eleitorais não são o lugar mais adequado para discutir os problemas nacionais com razoável grau de inteligência
"Se quiser vida inteligente, não procure nos escaninhos da política." Essa frase foi dita por um intelectual, em análise sobre os discursos dos candidatos em época de eleições. Para ele, a maioria da população, incluindo muitos bem-formados, não tem conhecimentos mínimos de economia para entender a relação de causa e efeito das diversas opções de política econômica. Na prática, os debates e os discursos dos candidatos são, como dizia Roberto Campos, verdadeiras dietas de emagrecimento intelectual.
Campanhas eleitorais não são o lugar mais adequado para discutir os problemas nacionais com razoável grau de inteligência. Onde entra a campanha política, sai a razão, e é mais bem-sucedido o candidato que melhor consegue convencer a grande massa de que o governo vai cuidar dela. Nada há de errado com os programas sociais de transferência de renda aos pobres, porém, tais programas precisam de um mínimo de racionalidade a fim de contribuírem para levar os pobres a saírem da pobreza e a não precisarem mais da ajuda do governo, que é paga por todos nós.
Os estudos sobre as políticas sociais ao redor do mundo mostram que nenhum programa governamental de ajuda aos pobres foi capaz de reduzir a pobreza de forma permanente e que somente o crescimento do produto acima do crescimento da população consegue realizar tal proeza. A proposta de doação de uma renda mínima a todo cidadão pobre saiu da cabeça do economista liberal Milton Friedman. Porém essa ajuda deve ser temporária e deve durar apenas enquanto a pessoa não consegue cuidar de si mesma, período esse que deve ser usado para integrar o beneficiário a um programa de educação e qualificação profissional, obviamente dispensando os incapacitados por razões de saúde ou deficiências incontornáveis.
Aqueles que, mesmo sendo capacitados, permanecem desempregados e sem renda, em razão das crises econômicas, devem receber outro tipo de proteção: o seguro desemprego, que deve ser de natureza transitória, até a obtenção de nova colocação no mercado de trabalho. Torço para que um dia o desemprego, além de ser uma indignidade social, seja usado como oportunidade para o desempregado se integrar a um programa de educação e atualização técnica, a fim de retornar ao mercado de trabalho melhor e mais preparado. Dizia-me um executivo demitido que, mesmo tendo renda para suportar um bom tempo sem trabalho, o mais humilhante do desemprego é levantar de manhã e não ter para onde ir. Recomendei-lhe o óbvio: estude, faça cursos, assista a palestras, participe de seminários e frequente os eventos onde estão seus colegas de profissão.
No caso brasileiro, uma coisa é certa: nenhum governante conseguirá eliminar o programa Bolsa Família (que não começou no governo Lula, como o presidente gosta de propagar), pois o programa foi incorporado à vida da sociedade e é uma propriedade da nação, não mais uma deliberação do governo. Todavia, o programa pode e deve ser melhorado, em particular quanto à criação de portas de saída para os beneficiários. Outro tema no qual o debate está eivado de ignorância é a privatização. Não dá para misturar todos os gatos no mesmo balaio. Falar de privatização do Banco do Brasil, da Petrobras, dos Correios e da Caixa Econômica é uma coisa. Nenhum governo vai sequer cogitar vender essas empresas. Outra coisa é falar de privatização de setores que o mundo desenvolvido há muito tempo deixou para o setor privado, como ferro, aço, minério, telecomunicações, portos e aeroportos, áreas em que o governo não tem recursos para investir nem talento empresarial para gerir.
O próprio governo já anunciou, várias vezes, que vai atrair capitais privados para os portos e os aeroportos. Ganhe quem ganhar, não há como tirar o país do atraso na infraestrutura sem a contribuição de investimentos privados, seja porque os recursos públicos são escassos, seja porque cada centavo gasto pelo governo em montar empresas é um centavo a menos para aquelas tarefas clássicas do governo, como Justiça, defesa, saúde e segurança. Da mesma forma, não existe lógica alguma em defender que o governo gaste com empresas estatais na área de telefonia, aço, minério, aviões etc. Quando privatizadas, essas empresas cresceram e saíram da condição de sugadores de dinheiro do contribuinte para grandes pagadores de impostos.
É ilusão acreditar que será lançada alguma luz sobre o debate desses temas durante a campanha eleitoral; esta transformou-se há muito tempo em exercício de hipnose social para conquistar votos.
José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo.