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Dilma lança os seus flares

As aeronaves militares podem ser equipadas com um sistema de defesa chamado flare, tipo de pirotecnia que produz luz brilhante ou intenso calor sem explosão, e com isso engana os mísseis inimigos, que perdem o foco e deixam de perseguir o alvo. A versão política do flare é o factoide, que pode ser lançado com base em fatos verdadeiros ou mentirosos, recurso que tem sido muito utilizado nos tempos recentes, como no caso da espionagem dos Estados Unidos sobre autoridades brasileiras e a Petrobras.

A presidente Dilma, desgastada pelos protestos de junho e por uma série de denúncias de irregularidades de membros do governo, de corrupção a pedofilia, adiou a visita de Estado aos Estados Unidos alegando violação de soberania e privacidade. O factoide criado pela bisbilhotice dos EUA serviu também para atenuar a atenção da mídia ao julgamento dos embargos infringentes no mensalão.

É certo que o Brasil deve se posicionar de maneira forte contra a espionagem. É necessário o resguardo da soberania e da privacidade das autoridades, das empresas e dos cidadãos brasileiros. Silenciar num momento desses seria compactuar com a violação. É certo, também, que o adiamento demonstrou a insatisfação do governo brasileiro. Neste sentido, o discurso de Dilma na ONU, ontem – salvo pela proposição de regulação da internet, que merece cuidadosa análise –, reverberou não somente o pensamento dos brasileiros, mas também dos demais Estados atingidos pelas reiteradas asserções do presidente Obama, aos cidadãos de seu país, de que os norte-americanos não são alvo de espionagem – verdadeira confissão quanto à espionagem praticada contra estrangeiros.

Entretanto, no entender dos ideólogos governamentais, melhor ainda se o protesto servir para bater forte nos Estados Unidos, o grande vilão mundial na visão da maioria dos governos da América do Sul, conforme lembrou editorial de 20 de setembro da Gazeta do Povo. Tal postura resoluta pode, ainda, servir como base para resgatar o ufanismo dos tempos do milagre econômico, restabelecido por Lula e que estava sendo perdido no governo Dilma. Une-se o útil, representado pela repulsa à espionagem dos EUA, ao agradável, que é o resgate da imagem governamental.

Por outro lado, é de se ressaltar que a surpresa com que as autoridades governamentais em geral – e em especial Dilma – reagiram à notícia da espionagem traz à baila a efetiva comprovação da ineficácia do sistema brasileiro de inteligência, que não detectou qualquer anormalidade nas comunicações eletrônicas. Ora, se o Brasil pretende fazer parte do jogo das grandes potências, deve estruturar um serviço eficiente de inteligência, com abrangência multisetorial, para também obter as informações necessárias. Dentro das regras do jogo, naturalmente, e não na mesma linha da possível violação da NSA. Sob esse prisma, chega a ser risível a estupefação (não a indignação, repita-se, essa necessária) em relação à bisbilhotice alheia. Basta assistir a qualquer filme de espionagem para ver que isso já existe há muito tempo. Ou nossas autoridades achavam que a CIA e demais agências governamentais existem só para constar em filmes de Hollywood?

Finalizamos estas linhas retomando o tema aeronáutico do início, pois, de concreto, além da versão moderna da cortina de fumaça, talvez a consequência de tudo isso seja que os F-18 equipados com flares que os Estados Unidos querem vender à Força Aérea Brasileira acabem preteridos por aeronaves militares europeias.

Fabio Malina Losso, advogado e doutor em Direito Civil pela USP, é professor associado da Harris School of Public Policies da Universidade de Chicago.

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