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O britânico Robert Conquest, o maior investigador ocidental sobre os fatos ocorridos na União Soviética, em seu magistral The Great Terror (O Grande Terror) conta que, no auge da repressão intelectual dos anos 30 perpetrada pelo regime comunista, o controle sobre a informação circulante no país era tão grande que a única maneira de saber o que ocorria era ouvir seu interlocutor numa cama, debaixo dos cobertores puxados até as orelhas e, o mais importante, aos sussurros.

Essa prática, que mais parece piada, foi detalhada ao pesquisador pelo ex-ministro das Relações Exteriores da URSS e braço direito de Josef Stálin, Viacheslav Molotov. Os sussurros de Molotov deram certo: ele não só sobreviveu aos expurgos como viveu até os 96 anos sem sofrer maior recriminação por ter feito parte de um dos regimes mais tirânicos da história.

O controle da informação é um instrumento de coação e constrangimento que dá os meios para que o Estado autoritário-policial sufoque qualquer força de oposição que ameace sua hegemonia. Em graduações e formas diferentes, o controle político sobre a informação fez e faz parte do cotidiano de várias sociedades. Por causa dele, Goebbels e Castro tornaram-se referência da manipulação das massas. Sem ele, governos autoritários não teriam sobrevivido à pressão que a liberdade sempre exerce quando limitada.

A criação de obstáculos ao exercício da profissão de jornalista no Brasil tem a ver com isso. Acontece que, num país democrático, ou nominalmente democrático, instituições como sindicatos, conselhos e ONGs trabalham para a manutenção no poder do partido que assenhorou-se do Estado em governos com algum grau de autoritarismo.

Se na Venezuela de Chávez o controle da informação é direto, com o corte de concessões de funcionamento de emissoras críticas ao governo, no Brasil ele se dá pela vigência de um decreto de 1967 que estipula regras para a tarefa jornalística no país. A diferença entre os dois países está na forma de impor (ou de tentar impor) o controle. São formas limitadoras de liberdade de expressão, obviamente muito distintas mas com objetivos similares. Na Venezuela, o governo e seus órgãos auxiliares de repressão da oposição querem a continuidade de Chávez. No Brasil, uma blindagem jornalística vem poupando Lula e impede que ele seja deposto após a sucessão inédita de escândalos de corrupção, inaugurada com o mensalão. Quando quiseram, os controladores depuseram presidentes, como Collor, transformado em ladrão de galinhas perto do esquema de assalto ao Estado promovido pela ascensão petista.

Para entender melhor, entretanto, a relação entre a obrigatoriedade do diploma e o argumento deste artigo em defesa da liberdade irrestrita na produção e transmissão da informação é preciso entender porque a Fenaj e seus sindicatos defendem a manutenção da exigência do diploma para o exercício da profissão. É porque se o dique acadêmico for abolido, perde-se o poder de manipular milhares de iniciantes política e ideologicamente. A Fenaj e os sindicatos serão enfraquecidos, perderão a hegemonia sobre a formação dos estudantes e futuros jornalistas e serão obrigados a criar uma nova ordem (a Ordem dos Jornalistas do Brasil?) reestabelecedora de mecanismos excluidores do autodidata do meio profissional jornalístico.

Daí a pertinência, para os sindicatos e seus apoiadores no governo Lula e no Congresso, da formação, por ora frustrada, de um Conselho Nacional de Jornalistas, instituição que, se criada, ampliará a restrição de liberdade dos jornalistas, desta vez não atingido apenas os não diplomados, como a "categoria" toda em geral. Jornalista não precisa de Conselho tutelador da profissão como advogados e médicos. A natureza da atividade jornalística prescinde de tais entidades por basear-se no princípio da liberdade para ser realizada. Aos abusos dos jornalistas, basta a aplicação do que chamamos de "Justiça comum".

Todos os argumentos dos defensores do diploma que, ao ser obrigatório, impede o livre exercício da profissão de jornalista são retóricos. Ao usá-los, a Fenaj e os sindicatos querem transmitir à sociedade suposta preocupação com a qualidade do trabalho oferecido à sociedade pelos jornalistas. Como se a formação autodidata, no caso específico do jornalista, significasse qualificação teórica e prática inferior ao profissional gerado nas faculdades.

A defesa do diploma como "selecionador" de bons dos maus profissionais é usada para um fim maior do que se imagina: o do controle sobre a produção e interpretação da notícia, feita hoje em sua maioria por jornalistas sindicalizados, ideologicamente dóceis e formados em universidades cujo ensino e cujo currículo são gerados pelo professor marxista, petista, anticapitalista e antiamericano.

A Fenaj e os sindicatos apropriaram-se do decreto autoritário de um regime que tanto deploram. Isso aconteceu porque seu conteúdo é conveniente para meia dúzia de sindicalistas. Eles não estão nem aí para a qualidade do jornalismo feito no Brasil. Querem "apenas" controlá-lo.

Sandro Guidalli cursou Jornalismo durante dois anos na UEPG. Dentre outras, já atuou nas redações de O Globo e Folha de S. Paulo.

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