Nos próximos dias, o Supremo Tribunal Federal deve decidir qual direito prevalecerá para a sociedade brasileira: o individual ou o coletivo. Direitos que foram colocados em xeque pelo voto do ministro relator Gilmar Mendes, quando declarou a inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas) pela tese do direito individual.
Dessa forma, ele reconheceu que o direito de o usuário portar drogas para consumo próprio prevalece sobre o direito coletivo à saúde e à segurança pública (ao se impedir a disseminação de drogas). Caso os demais ministros acompanhem o voto do relator, ficará assegurado o direito individual ao livre uso e porte de substâncias psicoativas causadoras de doença mental, crônica e fatal. Garantido estará, pois, o sofrimento até o derradeiro suspiro, bem como o lucro fácil para os traficantes e outros beneficiários.
Mendes, com uma retórica aparentemente humanitária, depreciou o direito à vida e privilegiou o direito à liberdade para o uso de drogas. Entretanto, o direito à vida é o maior bem tutelado pela Magna Carta. Nesse sentido, a vida deve preceder o direito à liberdade, pois sem a primeira não há o exercício da segunda.
Garantido estará o sofrimento até o derradeiro suspiro, bem como o lucro fácil para os traficantes e outros beneficiários
Os destinatários do direito coletivo são também os familiares dos adictos, que sofrem e se tornam codependentes. A sociedade igualmente é atingida pelos delitos cometidos por quem já perdeu para as drogas todas as suas economias – e, muitas vezes, também as da família – e, o mais grave, seus princípios, crenças, valores, dignidade e capacidade laborativa. Portanto, o direito individual do usuário prejudica o direito coletivo. Logo, que direito de fato reconheceu o ministro Mendes? O direito a uma doença grave e incurável, com possíveis comorbidades e sem atendimento efetivo pela rede pública?
De forma contraditória, mesmo elogiando o trabalho desenvolvido pelos juizados especiais – entre eles o NAP-Jecrim de Curitiba –, Mendes retirou, pelo voto, o poder do órgão de impor medidas socioeducativas que têm como objetivo a reflexão e a mudança de comportamento do usuário ou dependente químico em relação ao uso de drogas.
As determinações finais da decisão do julgador mostram-se impraticáveis ante nossa realidade. Não estamos na Alemanha ou em outro país desenvolvido que tenha adotado a descriminalização. Em tais países se pode determinar com realismo o prazo de seis meses para adoção das medidas recomendadas porque o sistema de saúde funciona. No Brasil, como viabilizar rede de atenção a usuários e dependentes em seis meses, se desde 2011 as RAPs não foram nem sequer concluídas? Nas unidades básicas de saúde os médicos não têm para onde encaminhar o dependente químico para real tratamento. Nem sequer há profissionais capacitados conhecedores da dependência química, doença séria e complexa.
A Organização Mundial da Saúde reconheceu a dependência química como doença crônica. Assim sendo, o lugar de dependente ou usuário não é a prisão (e o artigo 28 já não determina pena privativa de liberdade), mas sim o hospital ou clínicas multidisciplinares especializadas e com tratamento intensivo (sem recorrer, no entanto, à internação compulsória) com prescrição médica. O numerário arrecadado em leilões de bens apreendidos do tráfico deveria ser destinado a essa estruturação da rede de saúde pública, na forma dos países desenvolvidos citados pelo relator.
Descriminalizar não é a solução. Prevenção, eficiente tratamento especializado e gratuito, reinserção social, política pública de enfrentamento a drogadição, sim.
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