O uso de instrumentos jurídicos na tentativa de condenação judicial de envolvidos em atos de corrupção não pode instaurar uma era de violação de direitos constitucionais no país. Isto mesmo com o anseio da sociedade por ações mais eficazes de combate e prevenção a ilícitos, bem como por punição a quem os pratica. Este é um debate que exige a reflexão sobre como as investigações de crimes contra a administração pública se relacionam com a conjuntura política e econômica na qual nenhum inquérito pode relegar a presunção de inocência em nome da presunção de culpa. Fato que, se consumado, leva os investigados não somente a condenações judiciais teoricamente questionáveis, mas a ter imagem e reputação escrachadas publicamente.
Se, para fins de exemplo, a condução das investigações da Lava Jato estiverem violando o direito de ampla defesa de alguns suspeitos ou mesmo infringido princípios do processo penal brasileiro, essa mácula seria facilitada pelo uso da delação premiada. O instrumento, de origem do direito norte-americano, foi instituído no ordenamento jurídico nacional pela Lei Anticorrupção desde agosto de 2013. O recurso é bem-vindo, mas é preciso esclarecer que, como qualquer outro mecanismo jurídico, o uso da delação premiada deve manter o diálogo com outras normas legislativas e o devido respeito a princípios constitucionais e direitos fundamentais.
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Muitas das gravações utilizadas na delação dos irmãos Batista, da JBS, ocorreram antes mesmo da autorização pela justiça para este recurso. Este fato permite o questionamento se o uso dessas provas sequer possui legitimidade semelhante ao instrumento da ação controlada. O recurso, disposto na Lei das Organizações Criminosas, consiste no adiamento da intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada. O instrumento deve ser mantido sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações. A legalidade também se insere no contexto do flagrante esperado quando a ação policial ocorre diante da iminência de prática ilícita.
Mas também pode-se argumentar sobre a ilegalidade destas provas justamente porque as gravações ocorrem antes de autorização judicial. Esta compreensão se insere no que o direito nacional entende como flagrante preparado, meio de obtenção de provas proibido pelos ministros do Supremo Tribunal Federal, em 1963, com a edição da Súmula 145. A corte entende que não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação. Isto significa, na prática, que a condução das investigações leva o suspeito ou investigado a cometer um crime. É esta a grande discussão sobre as provas produzidas na delação premiada dos irmãos Batista, cuja legitimidade é questionada sobre se houve um flagrante esperado ou previamente preparado.
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A legitimidade ou não destas provas é um exemplo crasso de como as investigações podem comprometer o destino de terceiros que supostamente praticaram ilícitos por meio de acusações as quais podem resultar em condenações. Uma perícia sobre determinado áudio, para indicar se houve alteração ou não em sua gravação, pode conduzir uma pessoa à prisão caso seja retardada ou mesmo não feita. Uma prisão ilegal por causa de uma prova colocada que supostamente tem um indício grave na sua forma. É compreensível que a sociedade espere por resultados rápidos no combate à corrupção, um sentimento extremamente válido. Mas o assunto demanda a análise do que realmente acontece neste momento no Brasil, pois em muitos casos o direito ao contraditório e à ampla defesa estão cerceados.
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