| Foto: Hedeson Alves/Gazeta do Povo

Logo no início dos anos 1960 a bióloga Rachel Louise Carson foi responsável por uma imensa revolução no conceito de meio ambiente nos Estados Unidos, ao lançar um livro chamado Primavera Silenciosa. Nele, discorria sobre a grande possibilidade de morte dos pássaros, insetos e contaminação da água com consequente desaparecimento de peixes no planeta em função dos agrotóxicos.

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Indústrias químicas promoveram, na época, uma das maiores campanhas difamatórias já efetivadas contra um ser humano, inclusive tentando desacreditá-la como cientista; chegou-se a acusá-la pela morte de pessoas por malária e dengue, já que em função de seus estudos o inseticida DDT foi banido do mercado americano, como se a dissociação entre a ética e a ciência para atender interesses empresariais pudesse justificar a guerra contra a vida.

A designação de um agrotóxico como “defensivo agrícola” é parte desta empreitada, insinuando que este proteja os cultivos, independentemente de seus efeitos sobre a saúde humana e de animais. Esta não é uma questão puramente semântica e sim de essência; em função dela a indústria insiste na divulgação de seus produtos com a suavização da terminologia, tornando-a mais palatável ao grande público e mais conveniente no atendimento aos seus interesses.

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A maior ou menor percepção de risco é consequência direta da qualidade educacional recebida

A agricultura próxima dos grandes centros no Brasil é normalmente de pequeno porte, e exercida de forma familiar, na qual crianças e jovens são auxiliares diretos, estando, portanto, sujeitos à contaminação. Muito pouco se sabe até hoje sobre os riscos da exposição continuada a esse tipo de compostos sobre organismos em desenvolvimento, mas pesquisas já comprovaram que várias das substâncias componentes dos agrotóxicos parecem inequivocamente ter atividade carcinogênica ou afetar diretamente o desenvolvimento hormonal.

Embora muitas tecnologias tenham sido implementadas para o controle de doenças e proteção contra algumas espécies de pragas, deixamos bastante a desejar em programas de requalificação para o trabalho, o que traz para as comunidades rurais um risco pouco avaliado quando usam extensivamente substâncias químicas perigosas. A isso acrescentamos a falta de saneamento básico, dificuldades nos transportes, contaminação de lençol freático e, principalmente, acesso inadequado ao sistema educacional – que traria a melhoria da habilidade de interpretação de uma situação potencialmente capaz de trazer dano à vida, ou capacidade de leitura correta de instruções de uso e ações de socorro porventura indispensáveis.

Quanto maior o nível educacional, mais possibilidade de percepção de ameaças presentes ou futuras, já que vários determinantes socioeconômicos estão envolvidos na redução do impacto da contaminação. O desrespeito às normas básicas de segurança, a comercialização de produtos ao arrepio da lei, a pressão descabida de empresas distribuidoras ou produtoras, as mazelas sociais brasileiras, tudo agrava o quadro, que muitas vezes culpa o próprio agricultor pelas sequelas produzidas pelo incorreto manuseio.

Leia também: A restrição e o veneno (artigo de Rubia Thieme, publicado em 17 de julho de 2018)

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Leia também: A vulnerabilidade ao consumo de alimentos inseguros (artigo de Caroline Rosaneli, publicado em 24 de abril de 2015)

A maior ou menor percepção de risco é consequência direta da qualidade educacional recebida, pois aumenta ou diminui segundo o sistema de crenças da comunidade, seus mitos, suas tradições, os cuidados médicos disponíveis e também a imagem construída pela propaganda destes produtos, na informação comunitária sobre procedimentos e resultados anteriores.

A intervenção sobre as técnicas de trabalho utilizadas para obter menos acidentes é estratégia aderida à capacidade de perceber riscos. Por isso, países com sistema educativo mais adequado e competente têm melhores chances que aqueles com educação deficitária.

O direito de saber envolve, assim, não apenas boa vontade da população, mas também a capacitação e o conhecimento, que é o que pode diminuir sensivelmente a obrigação de apenas suportar decisões de outros, conforme Rachel Carson já declarava quase 60 anos atrás.

Wanda Camargo é educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.