Dias após o presidente da Câmara dos Deputados desistir de pautar o projeto de lei das fake news, após enorme pressão e polêmica, já circulava a informação de que ele seria desmembrado em duas partes, e uma delas - a mais viável, em tese – seria colocada para votação do Plenário em breve.
A estratégia então foi ressuscitar um projeto (PL 2370/2019) da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) sobre direitos autorais, agora relatado por Elmar Nascimento (UNIÃO-BA). Havia um acordo de votar a parte relacionada a direitos autorais nesta semana – o tema, inclusive, foi discutido em reunião entre parlamentares e artistas. O novo texto, divulgado no último sábado (12) prevê a remuneração dos direitos autorais e do conteúdo jornalístico na internet.
O novo texto deu mais fôlego à disputa entre big techs e veículos jornalísticos. Isso porque ele muda substancialmente o texto original e incorpora trechos que estavam presentes no PL das fake news originalmente.
A proposta estabelece a remuneração de conteúdo jornalístico pelas plataformas digitais, uma demanda dos maiores veículos de comunicação. Mas os conceitos de conteúdo jornalístico e de empresas jornalísticas são vagos e permitem que veículos exatamente de fake news sejam remunerados. Pode acabar promovendo o que deseja combater. Outra questão é que conflitos sejam decididos via arbitragem ou por órgão da Administração Pública Federal – não se sabe qual órgão. No extremo, esse órgão poderia decidir o que é conteúdo jornalístico, caso a caso.
A remuneração a ser paga pelos provedores (aqueles com mais de 2 milhões de usuários) a conteúdo jornalístico e de direitos autorais é obrigatório, mesmo que o conteúdo seja publicado por terceiros. A empresa, segundo o texto, não pode se recusar a exibir o conteúdo. E os critérios de remuneração favorecem exatamente os grandes conglomerados de mídia.
Mas os conceitos de conteúdo jornalístico e de empresas jornalísticas são vagos e permitem que veículos exatamente de fake news sejam remunerados
Eles beneficiam grandes empresas e conglomerados de mídia, porque, dentre eles, estão: volume de conteúdo jornalístico produzido, audiência e até número de profissionais contratados pelas empresas. Isso pode comprometer a pluralidade, prejudicar jornalistas independentes e pequenos veículos – alguns deles, inclusive, manifestaram-se contrariamente.
Aqui está outro dos pontos problemáticos da proposta: da forma como está escrita, ela abre brecha para exigir que plataformas paguem por uma música que toca no fundo de um vídeo de um evento, por exemplo. Isso pode inviabilizar o compartilhamento de alguns conteúdos na Internet, especialmente nas redes (que são sociais).
O PL ainda obriga emissoras e plataformas de streaming a novos pagamentos de direitos autorais para cantores, atores e obras de audiovisual. Dentre outros pontos polêmicos, há a diferenciação de plataformas de conteúdo: as estrangeiras, como a Netflix e Amazon Prime, já passariam a pagar os direitos autorais um ano após a sanção; empresas brasileiras, diferentemente, teriam um prazo de três anos para se adaptar ao novo modelo, sem alterar contratos atuais já firmados.
Outra questão que merece atenção é a exigência de que plataformas mantenham dados de audiência contratada, perfilhamento e valor investido, o que pode desestimular anúncios nas redes, já que expõe detalhes de estratégias comerciais.
O PL exige que plataformas exibam as notícias, para evitar o que aconteceu no Canadá, por exemplo, onde, após legislação semelhante, o Google e a Meta passaram a bloquear e encerrar acesso a notícias. Na Austrália, produtores de conteúdo arrecadaram R$ 1 bi por ano após regulação das big techs (Google e Meta fizeram acordos com a maior parte das empresas), de acordo com notícias locais.
Para contemplar a bancada evangélica e conquistar mais votos, o relator incluiu que alocuções, sermões e pregações também estão incluídos na previsão de pagamentos de direitos autorais. A proposta precisa ser colocada em discussão, para maior debate envolvendo diversos atores da sociedade que possam apresentar ponderações, contrapontos, riscos e oportunidades. Caso contrário, a solução legislativa sobre fake news, conteúdo jornalístico e direitos autorais, apesar de avanços pontuais, dar-se-á sempre girando faces da mesma moeda e movendo-se em torno dos mesmos problemas.
Felipe Rodrigues é cientista político e pesquisa democracia digital em seu mestrado.