Tenho me dedicado especialmente à leitura do livro A Lei, de Frederick Bastiat, que oferece uma profunda luz em termos de defesa dos direitos fundamentais do ser humano, principalmente no que se refere à vida, à liberdade e à propriedade, já que todos estamos assistindo à sua ameaça crescente, concretizada a cada dia, em pequenos e grandes passos, rumo à limitação, que acaba conduzindo à extinção. De fato, quando esses direitos são relativizados, passam a ser banalizados, e, por fim, tiranizados, já que o poder passa a decidir quando e como concedê-los ou não.
É interessante notar que esse movimento de ataque aos direitos fundamentais não começa na sociedade, mas de cima para baixo, a partir dos poderes em conluio, normalmente por corrupção institucional gerada pelo autointeresse, o que se comprova historicamente em todos os governos que os violaram. Começa-se atacando a vida, já que negado o primeiro direito humano, os demais se tornam controláveis. Mas o domínio surge muito anteriormente, de forma imperceptível, muitas vezes através da ideologização e da hipersexualização, que torna os seres humanos meios para fins espúrios, irracionais e altamente manipuláveis, onde o final material do caminho – ou não, pois pode haver comércio nesse sentido, como já demonstrado – costuma ser a oferta do homicídio uterino (aborto), ainda que suas marcas indeléveis fiquem plasmadas nos que o cometem.
A censura emerge, camuflada de proteção social ou cívica, e o cidadão vai encolhendo em sua capacidade de contribuir justa e responsavelmente para o bem comum.
Em seguida, questiona-se a liberdade, principalmente no que se refere à expressão, que também tem sua dimensão intelectual expandida na área acadêmica. A censura emerge, camuflada de proteção social ou cívica, e o cidadão vai encolhendo em sua capacidade de contribuir justa e responsavelmente para o bem comum. Nesse sentido, quando há real espírito democrático, as redes sociais podem ser um termômetro da vontade popular, e, só deveriam ser ajustadas em caso de real respeito à dignidade da pessoa humana – de qualquer pessoa humana, diga-se de passagem –, e não por discordância política.
Por fim, viola-se a propriedade, também fundamentada na liberdade a começar pela possibilidade de merecê-la; de conviver e gozar de um espaço de intimidade para um saudável desenvolvimento pessoal; para o necessário fortalecimento de vínculos familiares – que também tanto contribui para a prevenção de comportamentos de risco – e, em especial, para produzir através dela, como é a grande vocação do agronegócio, gerando empregos e segurança alimentar para a sociedade.
Surge um grave perigo quando a classe de pessoas que faz a lei volta-se para a espoliação. O resultado é a “espoliação legalizada”.
De fato, o cidadão comum tem noção de seus direitos constitutivos e precisa ser instigado, doutrinado ou aliciado para atuar no sentido oposto, o que em geral – dentro de uma racionalidade e razoabilidade jurídica – iria contra a lei. Como afirma Bastiat, uma sociedade baseada numa concepção correta da lei seria ordenada e próspera. Porém, infelizmente, alguns escolhem a espoliação em vez da produção se a primeira exigir menos esforço do que a segunda. Surge um grave perigo quando a classe de pessoas que faz a lei volta-se para a espoliação. O resultado é a “espoliação legalizada”. E seu resultado, é o caos moral, o conflito e a degeneração política. “Numa palavra: brigas na porta do Legislativo”.
Aplicando essas ideias à nossa realidade, se consideramos os representantes legítimos do povo como um todo, sempre em diálogo com outros poderes (em tese sustentado pela “harmonia entre poderes”), mas sem real independência, onde estaria nossa esperança? Na Constituição que nos uniu, instituindo o Estado Democrático de Direito no qual tanto desejamos viver, onde os referidos direitos fundamentais estão reconhecidos, elencados e garantidos. Basta que esses direitos sejam devidamente interpretados e assegurados por seus guardiões, reunidos em nossa Corte maior.
Sim, este seria o caminho, lembrando que interpretar não é criar, mas obedecer ao povo representado na Constituinte, como legislador negativo e não, como ativista político autoconstituído em poderes supremos, que ameaçam o livre desenvolvimento também preconizado pela Carta Magna, a partir do exercício pleno de nossos direitos.
Como professora de Filosofia do Direito e advogada, continuo acreditando na força da lei e da natureza humana para reivindicar o que é legitimamente seu, bem como na capacidade de um sábio retorno de nossos ilustres magistrados ao papel original que desempenham.
Angela Gandra Martins, ex-secretária nacional da Família, é gerente Jurídica da FAESP, sócia da Gandra Martins Law, Associados e professora de Filosofia do Direito da Universidade Mackenzie.