| Foto: Fabio Abreu
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“Os males desesperados são aliviados com remédios desesperados ou, então, não têm alívio”, constatou Shakespeare em Hamlet. Entendo que em tempos de grandes crises, como em guerras, catástrofes naturais ou pandemias, os manuais teóricos ocupam um segundo plano diante dos desafios reais e concretos.

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É nesse contexto que um governo com um ministro liberal na economia anunciou centenas de bilhões em ajuda para os mais pobres, para empresas, para estados e municípios. A austeridade fiscal fica para depois, e o rombo pode chegar a meio trilhão de reais. Mesmo Paulo Guedes teve de se adaptar e mudar de software num momento crítico desses.

Mas é preciso cautela. Não pode significar mudança de paradigma, guinada de mentalidade do governo. Os desenvolvimentistas olham para a crise com saliva na boca, e não por acaso todo dirigista adora uma metáfora com a guerra. É na “guerra contra a pobreza” que o Estado consegue justificar mais e mais gastos, o que muitas vezes produz mais pobreza ainda.

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É nesse contexto que vimos um racha interno no governo. A equipe liberal da Economia não quer saber de projetos faraônicos do governo, que abandonem o compromisso com as contas públicas. Já um grupo de militares e o ministro Rogério Marinho acreditam que é necessário transformar o Brasil num canteiro de obras, para preservar empregos e melhorar a infraestrutura.

Marinho acredita que devemos evitar dogmatismos, e que a pandemia criou uma necessidade de adaptação. Entendo seu ponto, que é válido, e considero que investimentos públicos em obras de infraestrutura são defensáveis nesse momento. Desde que com o grosso do capital vindo do setor privado, com clara porta de saída do Estado, e de preferência com contrapartidas do lado do setor público, como o congelamento de salários dos servidores.

O Pró-Brasil foi anunciado pelo chefe da Casa Civil de forma atabalhoada, dando a entender que era contra o carimbo de Guedes e para torrar R$ 250 bilhões do Estado em projetos. Como uma emissora alinhada ao governo tinha divulgado uma reportagem recente em que o ministro da Economia aparecia como um insensível perante os pobres, a conclusão foi imediata: Guedes estava sendo “fritado”.

Com a saída de Sergio Moro, porém, o custo de uma eventual saída de Guedes, o pilar mais importante do governo Bolsonaro, seria altíssimo, quiçá fatal. Isso deu ao ministro maior poder de barganha, e o presidente veio a público afirmar que quem manda na economia é mesmo Guedes. Resta saber se isso será válido, quando os novos “parceiros” de Bolsonaro, de um centrão fisiológico, mostram as garras babando por obras públicas.

Entendo que o melhor para o país seria algum equilíbrio, um bom senso entre a intransigência liberal de Guedes e o faro pragmático de Marinho. Mas isso com o extremo cuidado de se evitar uma guinada desenvolvimentista. O dirigismo estatal, afinal, não funciona. Alguns compraram o Pró-Brasil ao Plano Marshall, de recuperação da Europa no pós-guerra, mas faz mais sentido compará-lo com o New Deal de Roosevelt após a Grande Depressão de 1929.

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Muitos acreditam que foi essa reação estatal que salvou o capitalismo. Há controvérsias, para dizer o mínimo. Foi uma época de hiperatividade do Estado, de muita gastança, de projetos megalomaníacos, e também de autoritarismo, corrupção e elevado custo econômico.

O livro The Forgotten Man, de Amity Shlaes, relata com detalhes a história dessa complicada fase americana. Durante uma nova crise de proporções assustadoras causadas pelo vírus chinês, resgatar os erros do passado pode servir para evitá-los no presente. A arrogância dos políticos em Washington, confiantes de que poderiam resolver a crise com canetadas e aumento de gastos públicos, ajudou muito a postergar a recuperação da economia.

Havia uma sensação bastante disseminada de que somente enormes intervenções estatais poderiam reanimar a economia. No mundo, a Itália de Mussolini e a União Soviética de Stalin conquistavam muitos adeptos do dirigismo estatal, intelectuais e economistas que acreditavam no planejamento central do governo como locomotiva do desenvolvimento. Eles estavam errados.

O governo de Roosevelt sistematizou as políticas de grupos de interesse, e a menor minoria de todas – o indivíduo – era o “homem esquecido” que pagaria a conta. Roosevelt focava apenas naquilo que se vê, ignorando tudo aquilo que não se vê, para usar os termos de Bastiat. Os defensores do New Deal, muitos deles simpatizantes do modelo soviético, criaram um clima de hostilidade aos empresários, assim como um ambiente de polarização no país. Os duros ataques aos “ricos” – lembrando que FDR era um homem rico – serviam para alimentar a revolta dos pobres, mas não para reduzir a pobreza.

O primeiro grande projeto foi o National Industry Recovery Act, com a premissa de que os gastos do governo iriam criar empregos e consertar a economia. O que veio em seguida, a criação do National Recovery Administration, faria os projetos anteriores parecerem pequenos. O NRA, com seu emblema da águia azul, representou o passo mais ousado dos Estados Unidos rumo ao socialismo. O governo iria decidir preços, controlar a produção das empresas e fazendas, enfim, em termos econômicos os americanos estavam se aproximando da realidade nazista da Alemanha e comunista da União Soviética. O senador Thomas Gore, do Partido Democrata, chegou a questionar de forma sarcástica sobre as medidas do governo: “Isso não é socialismo?”

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A máquina de gastos públicos estava ligada a todo vapor, mas a economia se negava a melhorar. Os gastos federais em 1935 eram o dobro do patamar de 1930. Mas quase 12 milhões de americanos ainda estavam sem emprego. No entanto, nada disso parecia melhorar a vida dos americanos, especialmente os mais pobres, os “homens esquecidos”. A renda per capita americana, segundo a The Economist, estava no mesmo nível da inglesa no fim dos anos 1930, sendo que havia sido um terço superior no começo da década.

O índice de ações Dow Jones só iria retornar ao patamar de 1929 no fim de 1954, quase uma década após a morte de Roosevelt. Em 1937, ocorreu outra depressão dentro da Grande Depressão, e o índice chegou a cair mais de 40%. O desemprego em 1938 ainda estava acima de 17%. De qualquer ângulo observado, o New Deal fracassou. O dirigismo estatal não funciona.

Rodrigo Constantino, economista e jornalista, é presidente do Conselho do Instituto Liberal.