Saulo, o rígido militar romano que perseguia cristãos, e que ao ver a Luz foi rebatizado Paulo, certamente teria muito a dizer se escrevesse hoje uma de suas cartas à grande cidade brasileira que lhe homenageia. Nas últimas semanas, temos testemunhado um espetáculo degradante para alguns, divertido para outros, na disputa pela Prefeitura de São Paulo, assim como em outras cidades brasileiras. São Paulo, dentre outras razões, é capital por ser o mais importante centro cultural e econômico de todo o hemisfério sul.
Historicamente, sabemos que debates eleitorais raramente são altruístas ou pacifistas. Já foi inclusive dito que “a gente faz o diabo para vencer uma eleição”, mas o que os brasileiros têm presenciado nas atuais campanhas é de fazer corar até o mais pragmático dos eleitores. Cenas deploráveis, com xingamentos e acusações de toda ordem e, até mesmo, agressões físicas, como a famosa “cadeirada”. A pergunta que fica é por que isso acontece?
Ao dizer que precisamos de heróis, não falo de idolatria a personalidades, mas sim do culto aos nobres valores morais e exemplos que muitos líderes nos legaram
Embora não tenha a resposta definitiva, acredito que um dos motivos para essa degradação é a progressiva dilapidação dos valores morais na nossa sociedade. Valores morais são princípios e normas, muitas vezes não escritas, que determinam o comportamento de uma pessoa e sua interação com as demais, de forma ética e moral. São eles que nos distinguem dos animais, cujo comportamento é marcado pela irracionalidade e desejos imediatistas.
Quando no Comando da Marinha do Brasil, em dezembro de 2021, escrevi um artigo nesta Gazeta do Povo que adentrava esse tema, intitulado “Precisamos de heróis”. Em linhas gerais, o texto defende que grandes profissionais têm sempre uma ou mais referências de personalidades de destaque que os inspiram e sinalizam o caminho a seguir, em suas jornadas rumo ao sucesso e à realização pessoal. A inspiração é uma das mais nobres forças da ação humana, que nos brinda coma energia e o entusiasmo necessários para agirmos com correção e determinação, mesmo em face de adversidades.
Ao dizer que precisamos de heróis, não falo de idolatria a personalidades, mas sim do culto aos nobres valores morais e exemplos que muitos líderes nos legaram. Na Marinha do Brasil, por exemplo, temos como referência o Almirante Tamandaré, homem de hábitos simples, honesto, leal e de afável trato, um herói que teve papel fundamental na consolidação do nosso país como uma nação livre e soberana. É ele o mais forte lampejo a iluminar o proceder dos nossos marinheiros e fuzileiros navais, não somente a bordo dos navios e quartéis, mas também em suas vidas pessoais.
No esporte, também temos marcantes exemplos, como o saudoso piloto paulistano Ayrton Senna, tricampeão mundial da Fórmula 1, até hoje reconhecido pelos nobres valores morais que inspirava, como humildade, perseverança, coragem, resiliência, patriotismo e caridade, dentre outros. Um exemplo para milhões de pessoas em todo o mundo, tanto que jamais foi esquecido, mesmo 30 anos após sua precoce e trágica morte.
O que até aqui analisamos, aplicável a quase todas as disputas humanas envolvendo poder, glória e também dinheiro, ajuda-nos a entender ao menos um aspecto pelo qual nossa sociedade mostra-se cansada dessa falta generalizada de bons exemplos. Obviamente, precisamos nos voltar ao Apóstolo Paulo, que nos ensinou a buscar o fruto do espírito e a nos afastar das obras da carne, e a nortear nossas escolhas também por esses critérios, pelo bem do nosso Brasil.
Almir Garnier é doutor em Política e Estratégia Marítimas e mestre em Pesquisa Operacional.
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