Com a recente aprovação do relatório do deputado Vicente Cândido na comissão especial da reforma política da Câmara Federal, nos encaminhamos para mais uma alteração da legislação eleitoral, como acontece a cada ano que antecede as eleições gerais.
O cruel raio-X do financiamento das campanhas eleitorais que a Operação Lava Jato proporcionou ao país exigiu imediata resposta das instituições. Adveio, então, a declaração de inconstitucionalidade das doações de pessoas jurídicas pelo STF e a Lei 13.165/2015, que quase inviabilizou a campanha eleitoral nas eleições de 2016, tamanho o número de vedações.
A experiência de 2016 levou os legisladores, acometidos de uma aflição compreensível em relação à própria sobrevivência, a apresentarem um destaque ao relatório citado que incluiu o sistema chamado “distritão”, um modelo adotado em apenas quatro países no mundo. O “distritão” nada mais é do que a aplicação do sistema majoritário na eleição de deputados: os mais votados serão eleitos, independentemente da votação de seu partido. Tal sistema acaba com a proporcionalidade, em que a somatória dos votos dos candidatos e do partido leva à formação do quociente eleitoral e partidário.
Imprescindível mesmo é a mudança no pensamento do eleitor perante a escolha de seus representantes
Os críticos do modelo afirmam que ele privilegia os que já detêm mandato, os que possuem mais recursos financeiros e os mais conhecidos. Com todo o respeito ao desacordo, qualquer tipo de modelo privilegia os naturalmente privilegiados; contudo, cabe apontar que apenas 35 deputados dos 513 existentes na Câmara Federal se elegeram com os próprios votos em 2014, sem o auxilio da legenda.
Questiona-se também uma possível inconstitucionalidade do distritão, em face da violação do princípio da proporcionalidade. No entanto, o excesso de partidos políticos no Brasil não se refletiu na ampliação da representatividade dos grupos, restringindo-se a uma forma de acesso ao financiamento e ao tempo de mídia destinado às campanhas, grande moeda de troca em eleições. Não existindo a representatividade, inexistirá, portanto, sua violação.
Assim, a complexidade do tema não está no sistema do “distritão” – que deve ser experimentado –, mas novamente na heterogeneidade da proposta de reforma em discussão, com mudanças que não se harmonizam. O “distritão” não se coaduna com a fidelidade partidária hoje exigida; não se encaixa no modelo de financiamento por fundo público, nem é o melhor sistema de transição para o voto distrital misto, previsto no mesmo relatório para ser implantado em 2022. Ou seja, ele não é um problema em si, mas cria dificuldades quando combinado com as outras alterações aprovadas.
Opinião da Gazeta: Antes de melhorar, vai piorar (editorial de 11 de agosto de 2017)
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Uma questão complexa diz respeito à representatividade feminina no Congresso. Se com a reserva de 30% das vagas nas chapas do sistema proporcional o porcentual feminino na Câmara é de 9,9%, com o “distritão”, sem um sistema de contrapesos que facilite o acesso ao financiamento e à propaganda pelas mulheres, é esperar pelo imponderável. Prevendo tal cenário, o Senado acena com a boa chance de aprovação da PEC 134/2015, que garantirá número mínimo de cadeiras para as mulheres nas três eleições seguintes à sua aprovação: 10% em 2018, 12% em 2020 e 16% em 2022.
Independentemente do modelo adotado, imprescindível mesmo é a mudança no pensamento do eleitor perante a escolha de seus representantes. Precisamos nos tornar os protagonistas da evolução política e institucional de que o país necessita.
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