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Até a década de 1990, a economia brasileira era ilegível. Havia a macabra combinação de inflação, estagnação, desrespeito a contratos e despesas públicas sem controle. A União e os estados dispunham de verdadeiras máquinas informais de emitir dinheiro: precatórios, antecipação de receitas, gestão do orçamento – e por aí avante. Para se ter uma ideia, em junho de 1994, quando do Plano Real, a inflação foi de 47,43% (o IPCA de 1993 atingira a marca de 2.477,15%!). Além disso, havia 45 bancos estaduais e cinco federais, a maioria sem qualquer lastro, a financiar quem dispusesse de poder político. O Plano Real começou a dar norte a essa nau sem rumo, mas os gastos públicos só foram limitados em 2000, com a Lei de Responsabilidade Fiscal. Até então, gastava-se a rodo e irresponsavelmente.

Porém, as medidas de estabilização revelaram a miséria do verdadeiro patrimônio dos estados e que os bancos públicos eram espantalhos. Logo, alguém houve de os socorrer. E esse alguém foi a União (leia-se o Tesouro Nacional), por meio do Programa de Apoio à Reestruturação e ao Ajuste Fiscal dos Estados. Em outras palavras, a partir de 1995 foram concedidos subsídios, alongamento do prazo e redução de encargos. Houve contratos com 25 estados (Amapá e Tocantins não assinaram). Desde então, as dívidas não são pagas integralmente e as renovações e malabarismos se repetem. Com o passar do tempo, as coisas só pioraram: aprendeu-se que não pagar é um ótimo negócio – dinheiro bom é dinheiro no meu bolso.

No fim do dia, quem pagará a conta serão as mesmas pessoas – seja por meio de tributos federais, estaduais ou municipais

Foi nesse cenário que, em novembro de 2014, foi promulgada a Lei Complementar 148, que alterou a Lei de Responsabilidade Fiscal. Ela autorizou a União a adotar, no refinanciamento das dívidas dos estados, Distrito Federal e municípios, juros de 4% ao ano e atualização mensal pelo IPCA, com um teto: a taxa Selic (hoje, paga-se IGP-DI, mais 6 a 9% ao ano). A União também foi autorizada a dar descontos e assinar aditivos contratuais. Note-se bem: houve autorizações, não ordens – as quais fizeram com que a Presidência da República se reservasse à omissão (seria necessária regulamentação, que não veio). Daí a grita para que a União implementasse desde já esse benefício – se não o fizesse, haveria uma nova lei, ou medidas judiciais, que a obrigariam a tanto. Mas, ao que tudo indica, isso foi amainado na audiência pública em que o ministro da Fazenda pediu que se esperasse até fevereiro de 2016. Até lá, a economia brasileira estará em boa forma e sobrarão verbas públicas para todos. Aguardemos...

Mas, desde logo, não é preciso ser um gênio em finanças para descobrir que a redução e o refinanciamento da dívida dos estados e municípios trazem resultados catastróficos para o Tesouro Nacional. Na prática, a Lei 148 tem o efeito de aliviar os devedores e causar prejuízo ao credor – só isso. Mas não nos preocupemos, pois uma coisa é certa: no fim do dia, quem pagará a conta serão as mesmas pessoas – seja por meio de tributos federais, estaduais ou municipais. Será o contribuinte quem arcará com a despesa. Em suma, todos nós seremos responsabilizados pela irresponsabilidade fiscal daqueles que houvemos por bem eleger.

Egon Bockmann Moreira, advogado e doutor em Direito, é professor da Faculdade de Direito da UFPR.
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