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Felipe Lima

Apesar de ser considerada pelas Nações Unidas como um dos principais instrumentos de combate à escravidão contemporânea em todo o mundo, a “lista suja” do trabalho escravo foi colocada no centro de uma falsa polêmica no Brasil. Afinal, a população tem o direito de saber os nomes dos empregadores que foram flagrados e responsabilizados por esse crime pelo poder público.

Criado em 2003 pelo governo federal, o cadastro de empregadores flagrados com mão de obra análoga à escrava era atualizado semestralmente pelo Ministério do Trabalho. Após um resgate de trabalhadores e confirmada a autuação em primeira e segunda instâncias administrativas, com o devido direito de defesa, o nome permanecia na relação por dois anos.

Mas, em dezembro de 2014, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, atendeu a um pedido de uma associação de incorporadoras imobiliárias e suspendeu a divulgação do cadastro, sob o argumento de que o Ministério do Trabalho não garantia ampla defesa dos empregadores.

Em maio de 2016, após o governo federal ter publicado outra portaria com novas regras para a lista, respondendo às demandas do STF, a ministra Cármen Lúcia levantou a proibição. Mesmo assim, o Ministério do Trabalho, sob o governo Michel Temer, manteve a suspensão por decisão própria.

Transparência é fundamental para que o mercado funcione a contento

O Ministério Público do Trabalho entrou com uma ação exigindo que o governo federal voltasse a publicar a lista e conseguiu decisões liminares favoráveis em primeira e segunda instâncias na Justiça do Trabalho. Mas o Ministério do Trabalho, que agora defende a discussão de novas regras para a lista, obteve, da presidência do Tribunal Superior do Trabalho, o direito de não voltar a publicá-la. O último capítulo dessa novela se deu nesta terça-feira, dia 14, com a decisão do ministro Alberto Luiz Bresciani, relator do caso no TST, de restabelecer a liminar que obriga a publicação da lista.

Transparência é fundamental para que o mercado funcione a contento. Se uma empresa esconde os passivos trabalhistas, sociais e ambientais que carrega, sonega informação relevante que deveria ser ponderada por um investidor, um financiador ou um parceiro comercial na hora de fechar negócios.

Bancos responsáveis por boa parte do crédito imobiliário e agropecuário usavam a “lista suja” como referência para proteger seus negócios. E, da mesma forma, faziam grandes varejistas e indústrias que adotaram políticas de responsabilidade social contra o trabalho escravo em suas cadeias de valor, como as empresas associadas do Instituto do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo.

Considerando que processos na Justiça por trabalho escravo têm alcançado somas milionárias; que informações sobre o envolvimento em trabalho escravo são usadas, justa ou injustamente, para restrições comerciais internacionais; e que é lento o processo de construção de reputações de marcas e rápido o de destruí-las, é fácil entender que empresas não queiram correr o risco de envolvimento com quem se utiliza dessa prática.

A “lista suja” foi usada, entre 2003 e 2014, para proteger o nosso comércio internacional do erguimento de barreiras comerciais por argumentos sociais. Ela possibilitou cortes cirúrgicos e não setoriais por importadores estrangeiros.

Quem vai pagar pelo prejuízo dos que operam dentro da lei e são prejudicados por aqueles que estão à margem dela? E quem vai pagar pelos calotes dados por empresas que, processadas em milhões por trabalho escravo, perdem a sua capacidade de honrar contratos?

O governo federal, que luta para não divulgar a “lista suja”, tem caixa para isso?

Leonardo Sakamoto, jornalista e cientista político, é conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão.
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