Há 10 anos, a segurança pública brasileira registrava um importante avanço legislativo para fortalecer o combate ao crime. Falo da Lei 12.654/2012, que completa uma década neste 28 de maio. Ela alterou a Lei de Execução Penal para estabelecer a coleta de perfil genético como forma de identificação criminal. O uso do DNA emergiu como uma nova e revolucionária ferramenta para produção de provas e investigações criminais, dando mais rigor científico ao processo penal. Foi o uso frequente da genética forense, associado ao progresso da ciência e da tecnologia, que permitiu a criação dos bancos de perfis genéticos.
Até aquele ano, o Brasil não possuía legislação específica para cadastrar perfil genético de criminosos nem mesmo dos condenados por crimes violentos. Dezenas de outros países já possuíam, há décadas, normativos específicos e experimentavam grande eficiência na resolução de crimes com essa técnica.
A Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF) foi protagonista na tramitação da proposta que viria a se transformar na Lei 12.654/2012. Dialogando com autoridades dos três Poderes e participando ativamente das audiências públicas, a entidade demonstrou, com base em sólido rigor científico, as vantagens de implantação dos bancos de perfis genéticos, que já eram realidade em outras nações.
Após sancionada, a lei foi regulamentada pelo Decreto 7.950/2013, que criou a Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos (RIBPG). A partir de então, as diversas polícias científicas do país passaram a compartilhar, por um lado, as amostras de DNA colhidas em cenas de crimes e, por outro, a dos condenados por crimes violentos e hediondos. Ficou estabelecido um poderoso instrumento de combate à criminalidade.
Apesar do importante avanço, o país seguiu a passos lentos a implementação da metodologia. Foi só a partir de 2019 que a alimentação do banco de DNA brasileiro avançou de forma exponencial. O país passou de alguns milhares de perfis inseridos para mais de 70 mil em 2019. Atualmente, já são mais de 110 mil perfis cadastrados na Rede Integrada. Esse resultado foi conquistado graças a uma política pública que priorizou a ferramenta, com mutirões de coleta de perfis genéticos de condenados que atendiam aos requisitos da lei mas ainda não tinham passado pela identificação genética devido às resistências para o cumprimento da lei em anos anteriores.
Se comparado a democracias como EUA e Reino Unido, que possuem milhões de perfis cadastrados, o número brasileiro ainda é tímido. Mesmo com um reduzido acervo disponibilizado, no entanto, as polícias científicas brasileiras, inclusive os peritos criminais federais, têm demonstrado altíssima eficiência ao usar o DNA para resolver milhares de crimes pendentes.
A exemplo das diversas investigações auxiliadas pelo uso da ferramenta, destaco o emblemático caso da menina Rachel Genofre, que comoveu todo o país, em especial o Estado do Paraná. Ela foi morta em 2008 e encontrada na Rodoferroviária de Curitiba dentro de uma mala. Quase 11 anos depois do crime, o suspeito de matá-la foi identificado. A identificação do homem se deu graças à integração da base de dados entre Paraná, São Paulo e Brasília. Houve cruzamento do material genético encontrado sobre o corpo da vítima com o material genético colhido com um homem em São Paulo por meio do Banco Nacional de Perfis Genéticos.
O DNA, assim como as demais ferramentas das polícias científicas, tem como premissa ter exclusivamente a ciência como norte para buscar a verdade dos fatos. Em inúmeros casos, o trabalho da perícia criminal foi crucial para demonstrar condenações injustas e provar a inocência de pessoas erroneamente acusadas.
Em 2019, porém, a ferramenta enfrentou um grave revés. O que era para aprimorar o sistema de bancos genéticos, acabou trazendo retrocessos. O pacote anticrime, que propunha originalmente ampliar o rol de coleta obrigatória de DNA para todos os condenados por crimes dolosos, foi modificado pelo Congresso. O resultado dessa mudança foi a restrição ainda maior das situações de coleta. Houve vedação, por exemplo, da inserção compulsória nos bancos dos dados de condenados por crimes hediondos.
Tais retrocessos prejudicam a eficiência na elucidação de crimes, a verificação de reincidências, a celeridade processual e redução do sentimento de impunidade, além de aumentar o risco de condenações equivocadas.
É preciso que os membros do Poder Legislativo se debrucem sobre esse tema para que haja cada vez mais fomento a ferramentas científicas de combate ao crime e não a limitação injustificada de emprego. Esse é um compromisso que deve ser cobrado de cada candidato e candidata nas próximas eleições.
Marcos Camargo, formado em Farmácia e Bioquímica, é perito criminal e presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF).
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