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O Congresso Nacional, a Esplanada dos Ministérios e a Catedral de Brasília.
O Congresso Nacional, a Esplanada dos Ministérios e a Catedral de Brasília.| Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Eu estaria mentindo se dissesse que ele nunca deu sinais de ser abusivo.

Aquela mania de querer estar a par de tudo não poderia ser considerada normal. Quando eu ia ao supermercado, lá estava ele, interferindo no preço de cada pacote de miojo. Na concessionária, ele agia como se merecesse mais do que o fabricante dos carros. Até no cinema sua paranoia se fazia presente (“Contém violência e linguagem imprópria – Não recomendado para menores de 12 anos”, ele anunciou solenemente nos primeiros segundos de Vingadores: Ultimato).

Quando eu pensava em empreendedorismo, ele falava em alvarás; se eu alimentasse um mendigo, ele dizia que os componentes nutricionais deveriam estar escritos na quentinha, e se eu ousasse puxar uma conversa sobre gerar riqueza ele me ameaçava com idas ao cartório.

Alguns dirão que eu deveria ter percebido os sinais, já que ele sempre teve uns papos estranhos, como chips em bois e canais de tevê milionários aos quais ninguém assiste, sem falar da obsessão em ser o único a entregar minha correspondência. Nada disso, porém, me preparara para lidar com suas atitudes após o surgimento do vírus chinês.

Ele, que sempre gostou de posar como mola propulsora do Brasil, começou a agir como se fosse o alicerce da minha vida. Achou-se no direito de controlar meus horários de entrada e saída, jogou na minha cara que eu só podia ir e vir graças a ele, e chegou ao cúmulo de me proibir de sair de casa. “Você não vai trabalhar! Fique em casa! Eu estou fazendo isso para o seu bem!”, bradou, sem me dizer o que eu deveria fazer com as contas.

Logo ele, que ama emitir boletos.

Quem o conhece jura que ele sempre foi irracional, mas acho que sua insensatez alcançou patamares inéditos, pois hoje ele finge que a Ciência (com letra maiúscula, igual ao nome dele) é um coro de especialistas que concordam em tudo e ordena todos os dias coisas que fazem tanto sentido quanto tirar a máscara para tomar o sorvete, mas ser obrigado a usá-la ao ir até o caixa pagar a conta. Imagine que, para ele, há dias em que só posso ficar na rua até às 23 horas, como se o vírus usasse um Rolex (made in China) e soubesse exatamente o horário em que está liberado para sair e contagiar as pessoas que ousaram desobedecer ao seu protetor.

Quer vê-lo irado? Fale sobre o direito de almoçar com a família, caminhar na praia ou ir à igreja adorar o Criador da praia. Agora ele chama tudo isso de “aglomeração” e, em um de seus delírios mais perigosos, decidiu ser capaz de determinar o que é ou não essencial. É isso mesmo que você ouviu: ele “decidiu que pode decidir” o que é importante ou não para mim sem nem sequer me consultar a respeito!

Não adianta ligar para o 190, pois é ele quem dá as cartas por lá. Além disso, ele se torna a cada dia mais confiante, pois seu abuso é o único a ser aplaudido cotidianamente por grande parte da mídia, já que alguém precisa dar um jeito nos genocidas que insistem em sair para comprar o próprio café ou se recusam a usar três máscaras embora esteja provado pelo Joe Biden que isso salva vidas.

O fato de poder escrever este desabafo não me consola, pois sei que, se eu escrevi, ele lerá; se eu comprei, ele taxará; se eu respirei, ele me sufocará. Sinto que ele está em todos os lugares. Exceto, talvez, no mais nobre dos recôncavos: meu coração. Ele pode monitorar meus passos, mas não tem o poder de impulsioná-los. Ele pode ter acesso ao meu prontuário, mas não à minha fé. Ele pode falar sobre licenças, autorizações e protocolos, mas é analfabeto quando o assunto é eternidade, transcendência e propósito.

Como vítima experiente, conheço seus disfarces. Às vezes ele aparece com um sorriso a mais, um dedo a menos ou uma calça apertada. Não importa. Os rostos de suas marionetes mudam, mas sua missão é sempre a mesma: crescer fazendo com que eu me sinta cada vez menor.

O nome dele é Estado e eu ouvi dizer que ele também está à sua procura. Por favor, não me convide para uma revolta coletiva, pois isso é tudo o que ele quer. Ele quer que ajamos em bandos para que possa nos aprisionar em um rótulo. Não caiamos neste jogo. Continuemos ocupados demais simplesmente vivendo, amando, sonhando, rindo, orando, torcendo por um time, brincando com nossos filhos, colecionando miniaturas ou trocando as cortinas da sala de estar.

Continuemos, portanto, sendo aquilo que ele mais teme: indivíduos.

Arthur Vivaqua é pastor, teólogo e consultor de estratégia e marketing aplicados à educação.

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