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Sínteses – As “restrições civis” são legítimas se não houver vacinação obrigatória contra a Covid-19?

Do devido processo legal e científico

Estudos com a vacina haviam sido temporariamente interrompidos depois que um voluntário norte-americano teve reações graves
Imagem ilustrativa. (Foto: CDC/Pexels)

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O Supremo Tribunal Federal, provocado pela Rede na ADPF 754, e pelo PTB e PDT nas ADIs 6.586 e 6.587, se pronunciará acerca da possibilidade de vacinação compulsória ou aplicação de restrições civis àqueles que se recusarem a receber as vindouras vacinas contra a Covid-19. Os defensores da compulsoriedade e das restrições, além de fiarem-se no artigo 3.° III, d da Lei 13.979/2020, afirmam a primazia do interesse coletivo na imunização em massa sobre resistências individuais ao recebimento de uma vacina testada a toque de caixa e que será aplicada antes da plena observação da liturgia de praxe do método científico.

Numa primeira leitura, trata-se de conflito entre interesses individuais e coletivos. Neste caso, a exegese da Constituição não deixa espaço para dúvidas: o interesse coletivo tende a prevalecer. No entanto, mesmo dentre os ministros da Suprema Corte verificamos que o tema não é pacífico: a experimentalidade dos procedimentos adotados e a inexistência de estudos quanto aos efeitos de longo prazo da vacina acenam para a possibilidade de uma saída intermediária: não haveria obrigatoriedade, mas os resistentes estariam sujeitos a restrições civis que iriam de impedimentos no acesso a prédios públicos até limitações no direito de ir e vir.

A Lei 13.979/2020 condiciona a vacinação compulsória à presença de “evidências científicas” (artigo 3.°, §1.°) que não estão disponíveis. Apesar dos promissores porcentuais de imunização obtidos, nada garante a ausência de efeitos colaterais de longo prazo. Além disso, o §2.° do mesmo artigo assegura respeito aos direitos e liberdades fundamentais, dentre os quais destacam-se os previstos no artigo 5.°, II e VII da Constituição, que garantem o princípio da autonomia individual face a lei.

O que está em jogo, portanto, é o estatuto da consciência individual face a decisões do Estado que podem submeter os corpos – instâncias íntimas da dignidade humana e cuja liberdade implica na viabilidade do exercício dos direitos individuais – à participação em processo de imunização que, por mais desejável que possa ser, violará a Lei 13.979/202 e o artigo 5.° da Constituição. Tal artigo, coração de nossa vida civil, consagra a dignidade e o direito à recusa da tirania enquanto fundamentos de nossas liberdades.

A restrição às liberdades individuais só pode ser admitida quando sua imperiosidade restar categoricamente comprovada. Não é o caso, e não o será nos próximos meses: o tempo recorde para o desenvolvimento de uma vacina e utilização em larga escala é de cinco anos. Certamente os esforços envolvidos nas pesquisas contra a Covid-19 levarão a uma redução deste prazo. Ainda assim, a observação dos efeitos de longo prazo da vacina levará tempo. Enquanto este tempo não decorre, o Estado não deveria obrigar os indivíduos a submeterem-se a riscos em nome da promoção de um bem comum que é incerto.

Um dos argumentos contra o utilitarismo, filosofia que sustenta a primazia do bem comum, reside no fato de que a determinação do que é útil é arbitrária e dependente de uma avaliação subjetiva e personalíssima. Antes de aceitarmos a afirmação de que é do interesse da maioria a aplicação de restrições civis aos que se recusarem a receber a vacina, deveríamos, ceticamente, nos perguntar quem são os legitimados a efetuar tal asserção. Revela-se, então, uma questão ainda mais urgente: a das agências e indivíduos que, autorizados pelo que o filósofo Italiano Giorgio Agamben chama de “biopolítica”, subtraem do debate público questões importantes para entregá-las à esfera de poder que, em nome da “ciência”, exige comportamentos abertamente contrários à dignidade humana.

Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. As leis, por sua vez, serão elaboradas de acordo com o devido processo legal. Tais imperativos são claros e deveriam afastar a possibilidade de aplicação de sanções aos que desejam apenas a observância do devido processo científico antes de, docilmente, entregarem-se à sanha imunizante do Estado.

Rafael Pereira de Menezes é bacharel em Direito, mestre e doutor em Filosofia, servidor da Justiça Eleitoral, diretor de pesquisa no Instituto Federalista e professor de Gestão Pública, Ética e Filosofia no Centro Universitário Campos de Andrade.

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